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Universidade Federal do Ceará
Museu de Arte da UFC – Mauc

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Exposição 2022.5 – Nicia Bormann – Um o l h a r sobre a paisagem – 20/08/2022

(Transcrito do catálogo)

A exposição “Nícia Bormann – um olhar sobre  paisagem”, com curadoria da pesquisadora e jornalista Izabel Gurgel, integra a programação do calendário expositivo entre agosto e setembro de 2022 do Museu de Arte da Universidade Federal do Ceará – Mauc/UFC. A mostra artística ocorre dentro do contexto da retomada integral e segura das atividades da UFC e da sociedade brasileira após dois anos de suspense, medo, dores e incertezas por conta da passagem da pandemia da COVID-19.

Nícia tem uma longa e sólida relação com este Museu de Arte. conhece e frequenta estas salas e salões desde a década de 1960, quando ingressou no corpo docente do Curso de Arquitetura e urbanismo da UFC, vizinho do Mauc desde 1965. Como professora de Arquitetura da UFC, viu um prédio novo sendo construído para abrigar um museu recém-criado e viu reformas serem feitas para melhorar as condições estruturais desta instituição museal.

Passado algumas décadas e nesta passagem pelo Mauc, agora como artista visual, Nícia resistiu, num primeiro momento, à ideia e ao convite de ter a sua primeira individual apresentada ao público aqui. coube a mim, plantar a semente do desejo no coração dela. E ao chegar com sua “mudança”, Nícia nos entregou um mundo de possibilidades e imaginações artísticas por meio das fotografias, dos desenhos, das aquarelas, das matrizes e das gravuras, das cerâmicas, dos projetos arquitetônicos e paisagísticos, do design de mobiliários e de azulejos personalizados. Trouxe ainda, a referência de afeto e de lar, ao arregimentar com sorriso e encanto, a família, amigos, alunos, estagiários, colegas, apoiadores e uma gama de admiradores para ocupar sua sala e outras salas deste museu.

Além de agradecermos pela passagem de Nícia Bormann em nosso espaço expositivo, o Mauc agradece pelo compromisso público da doação de uma obra para integrar o acervo deste museu e ampliar a presença feminina na coleção. Uma mulher de fala baixa e com passos discretos, Nícia Bormann não se autodenomina artista, mas é um mundo artístico a ser descoberto e a ser exposto! Esta exposição, foi só a primeira!

Graciele Siqueira
Museóloga e Diretora
Museu de Arte da Universidade Federal do Ceará


Em 1976 cheguei à Escola de Arquitetura da UFC, vindo do primeiro ano do curso básico no Campus do Pici. mais do que o aconchego das mangueiras, em comparação com o descampado algo estéril do Pici, esse momento ficou marcado em minha lembrança como o encontro com a arte, a tipografia, as cores, as formas, os vazios, com o raciocínio livre e errático da arquitetura: finalmente uma escola ia de encontro às minhas afinidades eletivas, e não o inverso. E alguns mestres foram condutores generosos neste porto seguro: Liberal, Hissa, Furtado, Nícia… De Nícia sempre me ficou, a par de sua suavidade pessoal, o afeto pela natureza e pela plástica, traduzidos em sua obra como paisagista, passando para a arquitetura e a arte, nesse mundo sem divisões que o nosso ofício como arquiteto nos permite perceber. Do abrigo dessas mangueiras e da convivência com esses arquitetos notáveis trago uma dívida impagável, que me levou a lutar pelo meu ofício de arquiteto, a perseguir o permanente, a buscar dessa introdução, só posso agradecer com a vida que escolhi viver, com empenho. obrigado, Nícia.

Jayme Leitão
Arquiteto


Ar fresco, olhos livres:
a leveza é uma aprendizagem

Cada paisagem é única, sabemos. Como um rosto, é irrepetível. Finda, desaparecida, jamais se realizará outra vez do mesmo modo. Mutante, vive a variar, ainda que lenta e quase imperceptivelmente. Como uma canção, realiza-se no encontro, requer escuta, convoca-nos. Feito água em banho de rio, cachoeira, mergulho no mar, entra-nos pelos poros. Quase sempre achamos que olhamos a paisagem. Quase nunca, que somos parte dela. Devasta-nos a erosão da paisagem como bem público.

A paisagem é o jardim dos olhos Nícia. O insubmisso jardim, sabemos sentindo, é um campo viçoso da lida com o tempo, de apreciação da matéria que nos faz. Em “Nícia Bormann: um olhar sobre a paisagem”, perceba como a arquiteta desenha espaços edificados para a vida em comum e a paisagem planta porvir, fazendo um bosque antes vislumbrando no areal em meio à cidade. A Artista com atributos de ourives nos oferece vistas-mundos que sustentamos com graça, dando graças por ela, em nossas mãos.

Nícia tem uma espécie de sabedoria surfista. Usufrui do mar de encontros. Desliza entre uma área e outra, entre uma linguagem e outra, entre técnicas. Silenciosa como uma aragem, senhora dos gestos mínimos, chega até nós com florações depois de se dedicar a problemas e questões muito concretos, projetos e processos vividos como travessia.

Descobrir Nícia Bormann é um bonito modo de aprender sobre a argúcia da leveza como princípio e método. Ou não teríamos as aquarelas Iguape-Prainha. Se a invenção artística da paisagem do Ceará fosse um livro, encontraríamos lá as cinco marinhas. A concisão Nícia a abrir passagem, passagens, entre os mucuripes do fotógrafo Chico Albuquerque, por exemplo, e o loteamento do litoral do artista plástico Zé Tarcísio. Como se diz no Ceará, Nícia é um convite para limpar a vista.

Izabel Gurgel
Curadora


“Uma paisagista tem de ser um psicanalista que procura adivinhar o jardim que cresce dentro das pessoas. Fazer jardins convencionais é fácil.
A marca de um jardim convencional é que logo os olhos se acostumam…
É preciso ter sensibilidade poética para ver o ‘jardim secreto’.”
Rubem Alves

Ver o jardim secreto em paisagens que representa e projeta é o convite ao excitamento dos sentidos que nos faz Nícia Bormann, através de seu olhar externo, detectando a beleza de lugares, hoje visíveis apenas nos delicados, mas potentes traços, que refletem a alma expressa em seu olhar interno. Ela nos mostra o que antes foram, nos convida a retornar a eles e provoca assombros ao buscarmos suas existências naquilo que se tornaram… Ainda que estejamos conscientes das dinâmicas inerentes às paisagens, tal como o rio de Heráclito, questionamentos afloram, quando aceitamos seu convite para trilhar percursos por diferentes lugares. E neste caso, o poder da arte e da memória talvez nos salvem do pesar sobre as trágicas constatações das ações humanas sobre as tais paisagens, ao acessarmos o espaço/tempo guardado dentro de nós como tesouros vivos e amados. E vem o desejo de voltar àquilo que amamos e perdemos e oxalá possamos reconstruir, tal como um “jardim secreto”.

Fernanda Rocha
Arquiteta e urbanista, professora-pesquisadora Unifor
Estudiosa da paisagem e criadora Portas Abertas – Experiências e aprendizagem cultural


Construir frondoso: o olhar frutífero de Nícia

Nícia tem a arquitetura como ofício inicial. Um ponto de partida na sua trajetória que continua sendo desenhada, se potencializa a cada dia e se desenvolve permeando muitas áreas. Ela é dona da sua história e se afirma através do seu olhar. De saber ver uma paisagem única. Seja ela na arquitetura, na docência, no urbanismo, no paisagismo ou nas artes.

A arquiteta, cuja carreira segue paralela ao desenvolvimento do modernismo no Ceará (e além dele), adota na narrativa da sua história um pioneirismo que se diferencia na unanimidade masculina da época e vai além dos limites tradicionais de 1965. ela não permite ser enquadrada em nenhum estilo arquitetônico e nem se intitula com “ismos”. Projetou no sertão, na serra, no litoral, na cidade. No urbano e no rural, Dominando a arte de construir no Nordeste. Uma arquitetura dos trópicos, dos ventos, da sombra e da cultura.

Armando de Holanda não poderia ser mais assertivo ao discorrer sobre “construir frondoso”. O olhar frutífero de Nícia carrega essa harmonia do espaço arquitetônico com o meio ambiente. Nos seus projetos destacam-se as tramas que fazem essa intermediação entre arquitetura e paisagem, a incorporação da cultura construtiva local, além de uma preocupação com proporção, com vazar muros, com continuações de espaços, com a utilização de poucos materiais, e de uma inquietação formal, de estudo de níveis, texturas e cores que se mesclam com a paisagem local, sejam elas de cor ocre, marrom, terracota ou o amarelo queimado do sertão. Utiliza seu olhar na construção de uma edificação que exerce uma relação de respeito entre a paisagem existente com a paisagem criada, sabendo explorar elementos da arquitetura vernacular.

A partir da sua leveza, Nícia deixa transparecer a sua força e sua grandeza, confirmando as palavras de Michele Perrot, “As mulheres não são passivas nem submissas. Elas são presentes aqui e além. Elas são diferentes. Elas se afirmam por outras palavras, outros gestos. (…) Elas traçam um caminho que é preciso reencontrar. Uma história outra. Uma outra história.” E é através dessa poesia com a natureza que Nícia se impõe e segue criando a sua travessia inundada de cenários.

Érica Martins
autora da dissertação de mestrado intitulada “Rompendo Silêncios: Visibilizando as mulheres arquitetas a partir da trajetória de Nícia Paes Bormann”, Programa de Pós-Graduação em Arquitetura, Urbanismo + Design – UFC, 2019

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