Exposição 1975.05 – Dieter Jung – Colaboração Centro de Cultura Alemã – 02/10/1975
Dieter Jung
“Nietzsche 21X” e “Transformações”
O Museu de Arte da Universidade Federal do Ceará, solidarizando-se com a Semana de Cultura Alemã, abre suas portas para uma exposição do artista berlinense Dieter Jung.
O espectador, levado – à primeira vista – a enquadrar as serigrafias e pinturas acrílicas “Nietzsche 21 X” e a coleção de desenhos de bico de pena e “off-set” ” Formas de Transformação” em uma das numerosas categorias da arte contemporânea – como, por exemplo, “arte conceitual” – deveria se abster de etiquetar precocemente. Deveria primeiro observar como Dieter Jung pinta e desenha; como ele procura fazer visível e compreensível o que existe atrás dos fenômenos; como ele tenta concretizar com meios artísticos e sensuais a realidade; finalmente, como uma tonalidade, às vezes muito pouco diferente de outra, pode alterar completamente o “clima” do trabalho. “Cada tonalidade confere à serigrafia uma qualidade. Pode ser quente, fria, agressiva, doce, envelhecida ou jovial”.
Os trabalhos sobre Nietzche, o grande filósofo alemão, exemplo daquele fenômeno, fazem parte de uma série de estudos com retratos de personagens conhecidos e desconhecidos – I. Kant, F. Kafka, J.Amado e muito outros – expostos anteriormente na Europa e no Brasil.
Um outro lado da personalidade artística de ieter Jung se revela nos desenhos e “off-set” “Formas de Transformação”. Transformação pode ser compreendida aqui como a expressão dos “estados simbióticos” que a psicanálise define como a integração crescente de duas estruturas psíquicas, a regressão para um estado em que os indivíduos não se diferem mais entre si nem dos objetos. Os desenhos apresentam estas simbioses como situações sociais: a interpretação da família coma televisão, do operário com o relógio ou a máquina. Os contornos do indivíduo se confundem e se misturam caoticamente com os objetos.
Dieter Jung, insatisfeito com os meios estáticos de expressão, utiliza esses mesmos desenhos no filme “Transformações”, apresentando simultaneamente.
A mostra de trabalhos do artista foi exposta em várias cidades brasileiras ( Rio, São Paulo, Salvador) e seguirá para Roma, Nápoles e Florença.
Günter Kipfmüller
As cabeças humanas são tão variadas quanto paisagens, e é assim que as trato, obedecendo à topografia de cada uma. De Nietzsche, por exemplo, já fiz uns 40 retratos. Agora, na Europa, vão objetivar em 35 volumes críticos a obra total de Nietzsche, que tem tantos aspectos diferentes abordados. É impossível num retrato único se fixar uma pessoa; ela varia muito, até dentro de poucas horas. Giacometti levou a vida toda pintando a mulher e o irmão. Eu acho que, para se passar diversos aspectos da personalidade de uma pessoa, um retrato só não é bastante. Nas cópias serigráficas, pela mudança das cores, podem-se conseguir variações. A associação de Imprensa em Berlim e New York mandou tirar cópias serigráficas do retrato de Nietzche, que serão distribuídos no próximo Congrsso Internacional de Jornalistas, em Cambrigge, na Inglaterrra.
Dieter Jung
(entrevista concedida ao Jornal da Bahia, 31-8-75)
Hans Magnus Enzensberger
O lento desaparecimento das pessoas
Pessoas que estão a ponto de desaparecer lentamente são chamadas espíritos. A criação de espíritos constitui um elemento da produção social. Parece sempre estar antes do colapso. Mas estas aparências enganam. O fim do desaparecimento é seguro. Ao mesmo tempo é imprevisível.
Pintar espíritos cria dificuldades insuperáveis para a maioria dos pintores. Quem quiser pintar um espírito deve ter em mente a pessoa que está desaparecendo. Esta força de recordar é um privilégio de poucos. Embora qualquer um saiba que existam pessoas que, de certa forma, continuam existindo, que talvez até prossigam sempre surgindo ainda que fugazes e na foram pela qual desaparecem, – quase ninguém sabe qual é sua aparência. Mais difícil ainda é fazer uma idéia desse processo. Até a própria recordação do lento processo de desaparecimento desaparece, e isto com muita rapidez.
A câmara só pode fixar fases isoladas, mas não o processo em si. Ao invés de espíritos, registra fantasmas. Quadros em que se pode ver algo que está desaparecendo devem encerrar mais tempo do que os que constatam um resultado. No caso do desaparecimento, o resultado é vazio. Fotos de pessoas mostram este vácuo. O espaço se enche facilmente com pormenores que o “empalham”. O que é visível em tais quadros não provém da realidade, porque esta só poderia ser revelada se fosse mostrado simultaneamente seu desaparecimento. O elefante empalhado não é igual ao espírito do elefante. ( Este é material, aquele apenas algo imaginado).
É evidente que junto com as pessoas, nas quais devem ser incluídos os elefantes, desaparecem também suas cores. Mas, enquanto perdura o processo de desaparecimento, persistem também cores. Torna-se, porém, cada vez mais difícil determinar os resquícios destas cores. O número das cores possíveis durante seu desaparecimento não diminui em absoluto. Há até leitores, i.e., espectadores que afirmam que aumenta, engano explicável pelo fato de tanto o pintor como o leitor enxergarem o que está desaparecendo com tanto mais agudeza quanto menos distinto se torna.
Fixar algo que está desaparecendo, em rigor, é impossível. Ou é fixado o desaparecimento à custa do que desaparece, e nasce um quadro monocromático, ou é fixado o que desaparece à custa do desaparecimento, e estamos diante de um fantasma, de um elefante empalhado. O dilema só pode ser resolvido se o tempo também for pintado. Contudo, a estrutura do tempo é desconhecida. Que se trata de um movimento ondulatório, que o tempo forma oscilações, não é nada senão uma suposição do pintor, uma ajuda, uma hipótese em que talvez nem ele mesmo acredite, e da qual o leitor do quadro pode se dispensar afastando-se dele e desaparecendo por sua vez, mesmo que apenas no espaço. Qual dos dois, i.e., o quadro ou seu leitor, tiver desaparecido após um certo distanciamento, é isso uma decisão que não nos compete.
No que diz respeito às pessoas que estão desaparecendo, pode-se distinguir entre as que são conhecidas e as que já foram reproduções antes de começarem a desaparecer. Neste caso, o pintor pintou os espíritos de fantasmas, ou seja, de fantasmas que assombram a Europa. Assim mesmo, nos quadros como em toda parte, as pessoas desconhecidas são as mais importantes. Conseguem também desaparecer do melhor modo possível.
Já há muito que não se pode ver mais nada do pintor. Seu desaparecimento é o menos notado. Ele vai desaparecendo no emaranhado, nas oscilações das cores sempre mais retrocedentes. No fim – que, como já foi dito, é imprevisível – não haverá mais ninguém. Os fantasmas estão entre si. Vigiando o que tiver desaparecido.
Tradução: Wolfgang Roth e Flávia Fernandes
1941 – Nasceu em Bad Wildugem, Alemanha
1962 – Exame final em nível secundário em Siegen
1962/63 – Estudos de Teologia na Universidade Eclesiástica de Berlim
1963 – Formado em pintura e artes gráficas na Escola Superior de Arte de Berlim
1964 – Viagens para Venezuela, Curaçao e Estados Unidos
1965/66 – Bolsa da Aliança Francesa para estudos em Paris – Prêmio alemão da arte juventude
1967 – Bolsa de estudos do povo alemão como mestre do professor H. Trier
1968/69 – Bolsa do Serviço Acadêmico Alemão para estudos nos estudos Unidos – Viagens de estudos para o México
1973 – Formou-se na Academia de Cinema e Televisão de Berlim
1974 – Viagens de estudos ao Brasil
1975 – Professor visitante na Universidade Federal da Bahia, Salvador
1. Nietzsche 21 X
Serigrafias e pinturas acrílicas
2. Formas de Transformação
Desenhos de bico de pena e off-set
Títulos:
Figura do Pai
Casos Únicos
Cronometrista
Jogo Social
Educação para Limpeza
Homem com Chapéu
Simbiose
Gillete
Amigo das Crianças
3. Filme: “Transformações” 15
Música: Leo Brower
Desenhos, câmara de trucagem, corte, som e produção Dieter Jung
16mm – som magnético
Exposições (individuais e coletivas)
1965 – Grande Exposição de Arte de Berlim, Berlim.E
1966– Galeria Paul Faccetti, Paris.E
1967 – Grande exposição de Arte de Munique, Haus der Kunst, Munique. E
Galeria da Universidade de Tóquio
1968 – Ecole de Berlim, Galeria Motte, Genebra/Milão/Paris. E
– 16ª Exposição da Associação Alemã de Artistas, Kunsthalle Nurenberg.E
– Galeria Defet, Nurenberg. E
1969 – New York Studio School, New York. E
1970 – Museu Municipal, Gelsenkirchen. E
1972 – Associação Alemã de Artistas “Prisma 72”, Museu Estadual Renano, Museu Estadual de Bonn. F
– Semana do Curta-Metragem e do Documentário, Leipzig.F
– Festival de Cinema, Mannheim. F
1973 – Galeria Palais Walderdorff, Trier.E.F
– Galeria Municipal Haus Sell, Siegen. E
– Mostra de filmes “73”, Hamburg. F
1974 – Galeria Arte Moderna, Bogotá. E
– Galeria Kleber, Berlim.E
– Museu de Arte Assis Chateaubriand, São Paulo. E
– Museu de arte Moderna, Rio de Janeiro. E
– Galeria Cañizares, Salvador.E
– Instituto Goethe, Salvador. E. F.
– Feira Internacional de Arte Contemporânea, Dusseldorf. E.F.
1975 – Haus am Waldsee, Berlim. E.F.
E. Exposição F. Filme
O Que Nietzsche Exige dos Seus Leitores
” É preciso ter uma retidão nas coisas do espírito vizinha da dureza, e isso apenas para suportar a minha gravidade, a minha paixão.
É preciso ter a prática de viver sobre montanhas – de ver abaixo de si a atualidade, lamentável e tagarelante, da política e da raiva egocêntrica dos povos.
É preciso ter-se tornado indiferente, é preciso nunca perguntar se a verdade serve, se pode tornar-se fatal…
Uma predileção da força pelas questões que hoje ninguém tem a coragem de encarar: a coragem do que é proibido, a predestinação do labirinto.
A experiência das sete solidões.
Ouvidos novos para uma nova música.
Olhos para o mais longínquo.
Uma consciência nova para verdades mudas até ao dia de hoje.
E uma vontade de economia de grande estilo: O entesourar da força, do entusiasmo… O respeito para consigo, o amor por si, a liberdade absoluta consigo próprio…”
Assim Falava Zaratustra, 1883
” O homem é corda estendida entre o animal e o super-homem: uma corda sobre um abismo; perigosa travessia, perigoso caminhar, perigoso olhar para trás, perigoso tremer e parar.
O grande do homem é ele ser uma ponte e não uma meta; o que se pode amar no homem é ele sder uma passagem e um acabamento”.
Friedrich Nietzsche nasceu em 1844 (+1900), foi entre 1869 – 79 professor de Filologia clássica em Basel (Suiça) e, mais tarde, viveu na Itália, sendo acometido desde 1889 de crises nervosas. Seus escritos de juventude influenciados por Schopenhauer e Wagner trazem uma nova concepção do helenismo (obra principal): O Nascimento da Tragédia -1872).
A filosofia de Nietzsche não se apresenta sistematicamente, revela-se, portanto, como a vivência e experimentação de situações problemáticas consecutivas e insolúveis.
São fundamentais em Nietzsche seu irracionalismo, sua psicologia de desmascaramento do sistema de valores, seu pessimismo e sua auto convicção sem, no entanto, julgar. Nunca foi um facista nem um socialista como tem sido considerado.
Obras principais:
1882 A Ciência Alegre
1886 Além do Bem e do Mal
1887 Genealogia da Moral
1891 Assim Falava Zaratustra
1907 Vontade de Potência