Exposição 2002.04 – Joaquim Mulato – Santeiro e Penitente – 27/08/2002
Entrevista com Joaquim Mulato (penitente e santeiro)
G. Como foi que o senhor começou a cortar esses santos?
R. Eu comecei a cortar esse santos… cajá, fazendo aqueles santinho pequenininho. Aí eu fiz um santo Antônio… deu certo; aí eu fiz um maiorzinho… deu certo. Aí por aí eu comecei a fazer.
G. Faz muito tempo?
R. Faz, faz muito tempo que eu comecei, mas nunca vi fazer uma imagem, não; tanto que a gente quando vai fazer uma imagem, se perder a fisionomia daquela imagem, não fica aparecido, tem que tá gravado. Mas hoje, se for fazer uma imagem grande, faz, mas como é? O camarada risca ela todinha, dá todos os detalhes na máquina, depois vem o aparelho, liga e vai tirar.
G. Mas o senhor, pra fazer essas imagens, lembra das imagens da igreja ou…
R. Me lembro.
G. …ou é de livro de oração? Como é que o senhor faz?
R. Me lembro da imagem da igreja, eu espio pra um quadro, a pessoa pode espiar pra um quadro aí vê a roupa pra onde vai; a túnica da imagem, pra que lado dobra o lado do (verbo), porque esse lado de dentro chama-se o (verbo) Nossa Senhora da Conceição, o verbo é todo dobrado, de um lado e de outro.
G. Quer dizer que o senhor não teve professor?
R. Não tive, não.
G. Foi fazendo, aprendendo e fazendo?
R. Aprendendo e fazendo da minha cabeça.
G. E corta com o quê?
R. Com uma faquinha. Amolo bem amoladinha, só que tá… imagem pequena, agora, imagem grande o caba só vai se pegar uma maquinazinha que corta a motor.
G. Aí cola umas peças…
R. Aí coloca as peças, bota o braço, bota de um jeitozinho… quando tá bem coladinho vai cortar novamente até tirar o defeito. Aí, quando passar o verniz, pronto!
G. O senhor se lembra mais ou menos quanto tempo faz que o senhor faz santo? Quantos anos.
R. Tá com bem dez anos.
G. Bem dez anos que o senhor faz?
R. Bem dez anos. J
G. Eu pensei que fizesse mais tempo.
R. Não. Eu já tinha aquela inteligência mas não fazia, não.
G. Quer dizer que começou cortando os pequenininhos?
R. Os pequenininhos ajeitando, pelejando até quando deu certo. Mas ainda, às vezes, eu (peco) com a fisionomia da imagem, aí é obrigado a gente comprar o papel carbono, aí senta na imagem dessa assim, aí risca ele todinho, aí dá o desenho na madeira, aí bota o risco depois dele tá riscado, aí a pessoa pode cortar. Não perca o traço porque o traço é a fisionomia. Agora, se perder o traço…
G. O senhor tá enxergando tão pouco, como é que corta essas fisionomias?
R. Corta porque o traço do lápis deixa, deixa feito. Os olhos, boca, nariz, os lábios pra qual lado fica do tanto que tá, pra cá, pra lá. Aí a pessoa risca tudinho direitinho e sai cortando.
G. Faz parte da devoção (da penitência!) cortar santo?
R. Faz, porque cortar um santo é fazer uma imagem. Ela tá pagão, tô cortando, agora, depois daquela imagem feita e ele encarnar ela, que ela ficar perfeitazinha e o padre chegar e consagrar ela, ela se manifesta como viva. Hoje o padre tá dizendo não: “imagem não vale nada, não”. Eu digo: “tá ajudando, tá ajudando a derrubar a fé da Igreja”. Porque se a imagem o padre consagra ela não pega por… assim a hóstia não é carne, nem o vinho é santo, que a consagração dele não voga, não é?
G. E o senhor gosta mais das imagens encarnadas?
R. Encarnada pra botar no santuário. Agora, assim, simples, não. É…
G. Assim, simples, o senhor diz que é pra museu.
R. Pra museu, pra botar no museu. A simples, mas se encarnar também bota. Mas eu acho melhor a simples. Aí lá eles dão aquele verniz que ele quer e fica mais perfeita. Eles dão aquele verniz natural, que aquele verniz conserva, fica um santo mais perfeito ainda. Eles dá a vista, eles fazem a vista lá. Pintor, tem pintor dentro daquelas capital, deixa a pessoa já vendo, falando.
G. Antes de fazer os santos o senhor trabalhava de carpinteiro?
R. Muito, trabalhei de carpinteiro muito tempo. Eu fazia fuso, fazia banco, fazia (fomo), fazia tanque, endireitava as rodas, fazia bola, fazia até a porca, colocar o fuso e rodar dentro.
G. Esse fuso é de engenho.
R. De torcer a massa.
G. De casas de farinha ou de engenho?
R. De casa de farinha. De engenho eu botava muito era vilora. Quando quebrava uma vilora mandava me chamar e eu chegava lá, nós suspendia, eu arrancava aquela, aí eu fazia outra vilora e botava a mesa dela, e colocava e ficava bom.
G. Aprendeu com quem o ofício de carpinteiro?
R. Com eu, eu também mesmo!
G. Começou a trabalhar quando?
R. De 42 pra 43.
G. Quer dizer que quando começou a fazer santo, o senhor já entendia bem de…
R. Carpinteiro eu entendia, só não entendia bem do santo, mas de carpina eu fazia muita coisa; porta, cadeira assim, móveis. Esse negócio de móvel, guarda-louça, cristaleira, essas coisas… isso é pra marceneiro que trabalha em mão-de-obra fina e o carpinteiro é aquele que trabalha em coisa grosseira; é uma porta, é uma mesa, é um banco, é uma bola, é um fuso. Serviço grosseiro, serviço finíssimo, é marceneiro. Agora eu faço quase parecido, que eu pego um pau faço um cruzeiro daquele do mesmo jeito. Do mesmo jeito, dou o mesmo desenho… é que aquilo é serviço de marceneiro, mas não é tudo que a gente faz. Tem desenho… Agora, tem um primo meu aqui que não sabe de nada, não, mas ele pegava uns catolé e fazia uns…
Trecho da entrevista concedida a Gilmar de Carvalho
Barbalha, 13 de abril de 2001.
Carta de Doação
Ao Museu de Arte da UFC
Atenção Professor Pedro Eymar
Nesta
Fortaleza, 6 de maio de 2002
Prezado Pedro Eymar,
Estou doando ao Museu de Arte da UFC, 55 (cinqüenta e cinco) esculturas em madeira umburana, de Joaquim Mulato (1920), decurião do grupo de penitentes do sítio Cabaceiras, em Barbalha (CE).
A temática é religiosa e a brutalidade do corte vem em função de um problema de visão e da precariedade dos instrumentos de que dispõe. Algumas peças necessitam de retoques por conta de avarias durante o transporte até Fortaleza.
Posso lhe passar depois entrevistas feitas com ele, fotos e um artigo em que analiso sua arte de santeiro.
Se a doação for aceita, gostaria da contrapartida de uma exposição dos trabalhos e da impressão de um catálogo.
Cordialmente,
Gilmar de Carvalho.