Exposição 2008.02 – Cezar Migliorin – Viagem à superfície – 08/08/2008
Uma Nova Vaga Audiovisual
Nas últimas décadas, o diálogo entre o museu e as obras audiovisuais tem sido um espaço inovador das artes contemporâneas. Para quem apostou que o fim do cinema se acompanhava das tecnologias digitais, viu surgir uma nova vaga de realizadores que, provando o contrário, exibiu sua potência. O dispositivo arquitetônico que consolidou o mundo cinematográfico expandiu suas barreiras físicas e fez fluir um cinema como obra de arte que adentrou o lugar das artes plásticas e causou rupturas nas linguagens majoritárias.
É nesse trânsito pelas artes que vamos encontrar os trabalhos instigantes de Kiarostami, Zhang-Ke, Varda, Sokurov, Godard e Pedro Costa, apenas para citar alguns, expostos nas bienais de arte e em grandes centros de artes visuais, como Georges Pompidou ou o Museu Judeu de Berlim. Assim, as obras audiovisuais, seguindo outra linha de investigação com as imagens e, inclusive, de forma outra que a da video-arte, chega aos espaços expositivos como cinema-instalação.
Nesse percurso, as obras extravasam os limites espaço-temporais do cinema e, mais que isso, enfrentam problemas importantes de apego aos modelos da imagem como representação. Nem ficção, nem documentário. Nem longa, nem curta. Nem puro vídeo, nem puro cinema. Um embaralho das ordens. Veja-se o albanês Anry Salla ou a israelense Yael Bartana e entenda-se como o documentário é provocado a se ver como multiplicado, folheado em camadas- sentidos.
Cezar Migliorin entra nesse circuito, muitas vezes para pensar e complicar esse lugar. Deixar a arte encontrar suas linhas de fuga, escapar dos laços que lhe querem ordenar. Basta pensar em “Artista sem Idéia”, uma obra exposta para dizer, de uma forma contemporânea, o que o moderno afirmou pela reprodutibilidade técnica: aqui o autêntico, o autoral, o aurático não têm assento. Tudo é inquietação, desordem.
“Artista sem Idéia” ofereceu US$ 1 mil por filme/vídeo de qualquer duração, captado em qualquer formato, com três regras. A obra deveria estar pronta e ser inédita; uma vez vendida, os direitos sobre a obra seriam integralmente cedidos ao idealizador do projeto e, finalmente, a obra não seria alterada, com exceção dos créditos, que seria assinado por Cezar Migliorin.
Quem é o artista, de quem é a obra, qual o seu e o espaço do museu nesse imbróglio? Cezar Migliorin faz parte dessa vaga de artistas-cineastas como Éder Santos, Cao Guimarães, Lucas Bambozzi e Arthur Omar cujas obras acionam máquinas de guerra contra a perversão dos circuitos que querem da arte um produto.
Pois é esse o campo das obras audiovisuais contemporâneas, aquele que muda de lugar, que não se deixa tragar e instiga o tempo todo a que cada um saia dos seus pontos fixos. A reunião das obras de Cezar Migliorin, no Mauc, da UFC, quer dizer que não há uma métrica narrativa no audiovisual e que é preciso experimentar os limites, criando formas sensíveis que nos deixem ver o que há de contemporâneo no cinema, no vídeo, nas artes, de dentro do próprio mundo.
Beatriz Furtado, pesquisadora em audiovisual.
Quero te falar com palavras soltas.
Quero te falar do desejo de estar com essas imagens lentas. Da minha casa,
Do meu tédio. Nossa reflexão e nossas cidades, banhadas pelo mar e pelo
vento, pelos corpos e pela ação.
Quando a porta do trem se abriu, mais de mil pessoas saíram lá de dentro
em minha direção. Parei e esperei um abraço que envolvia a multidão como
se fosse um só corpo.
Abertos e fechados, teus olhos me esperam. É dessa vigília constante que
tenho medo, é com ela que inventamos o mundo todo dia.
Em cada canto um buraco que nos leva de volta à superfície.
Respirar. Com o ar que nos resta. Acossados, sufocados e salvos pelo
excesso.
Viagem à superfície.
Cezar Migliorin
Ficha Técnica
Realização
Curso de Especialização em Audiovisual em Meios Eletrônicos, do Instituto de Cultura e Arte, da UFC
Coordenação
Beatriz Furtado
Produção Executiva
Gláucia Soares
Assistência de Produção
Rúbia Mércia, Mariana Smith, Nonato Neves, Waléria Américo e Geórgia Cruz
Diretor do Mauc
Pedro Eymar
Concepção Visual
Frederico Teixeira