Exposição 2008.04 – Balbucio: Glossolalic Machine #1 Cenacula – 29/09/2008
Balbucio doa performance “Glossolalic Machine #1 Cenacula” ao acervo do Mauc
As moedas, os porquinhos, os pulsos glossolálicos e os macacões vermelhos necessitarão de autorização do Museu de Arte da UFC (MAUC) para entrar em cena novamente. O que antes era apresentado livremente por iniciativa do coletivo de artistas, agora será realizado apenas com autorização do Museu.
É assim que o Projeto Balbucio vai comemorar seus cinco anos de atuação na cena artística contemporânea: Glossolalic Machine #1 Cenacula será doada e integrará o acervo do MAUC: a primeira performance no conjunto de obras do museu. A ação ocorrerá dia 29 de setembro, às 19h, no Salão Principal do MAUC, mesmo local onde a obra foi apresentada pela primeira vez, em 2003.
Glossolalic Machine #1 Cenacula: sobre a performance
Um link transatlântico traz o canto glossolálico da soprano portuguesa Isabel Nogueira. Sua imagem projetada e sua voz ecoando nos portais do museu funcionam como augúrios de pitonisas.
No salão mais interno, sob a cúpula, sentados em círculo, voltados para fora, estão cinco homens, todos vestidos de macacões de operário vermelhos, luvas de fundição em couro, descalços. Quatro têm a cabeça coberta por meias femininas púrpuras até a altura dos olhos. Um deles, o Mestre, tem longos cabelos que lhe cobrem as faces, revelando apenas o nariz e a boca. Seguram nas mãos porquinhos-cofre em argila. A cada moeda depositada, um pulso glossolálico é emitido pelo respectivo performer. Captados por microfones de lapela, os pulsos são recebidos pelo computador e transformados em imagens simultaneamente projetadas na cúpula do átrio.
Estruturada a partir da idéia de alegoria, a performance é, ao mesmo tempo, um rito de iniciação, de fertilidade, de integração entre sagrado e profano, masculino e feminino, lá e cá, um retorno ao mito e uma ácida crítica ao predomínio do pensamento tecno-racional e à reificação imposta ao campo do sagrado no mundo industrializado.
As máquinas glossolálicas
O propósito mais geral de Glossolalic Machines é refletir, por meio da performance, como as transformações ocorridas, no século XX, em diversos campos como a filosofia, a ciência, a religião, a arte, a política, a economia e, especialmente, o campo das tecnologias de aquisição, produção, transmissão e armazenamento de informação resultaram na composição de códigos cada vez mais híbridos e complexos, ao que tudo indica, característica essencial das manifestações estéticas e comunicativas no século XXI. A perspectiva é de incorporação das mais variadas mídias – sejam de matriz verbal, sonora ou visual – numa só e para uma maior interatividade homem/máquina.
Num âmbito mais restrito de investigação, o da experimentação artística, interessa ao Projeto analisar como as novas tecnologias são apropriadas pelas manifestações artísticas atuais, contribuindo, por um lado, para a materialização de propostas estéticas antes limitada pela falta de recurso técnico e, por outro, para o questionamento e a crítica destas mesmas propostas e para a sua necessária transformação. E, num segundo eixo, como a arte atual, trata a presença do corpo, seus modos de reagir e interagir na tecnosfera, as novas sensibilidades instaladas nesse processo.
Que homem emerge daí? Como sente a si mesmo? Seu corpo, (hiper)estendido aos limites cósmicos, como reage a essa dissolução dos seus limites, que não é mais o da própria pele, mas se estende – cada vez menos só possibilidade – ao infinito? O que sobra de subjetividade, ipseidade, idiossincrasia: de essência? Seria possível ainda falar de relações intersubjetivas num contexto de dissolução das subjetividades? E que questões levantadas pela arte e filosofia ocidental nos últimos cem anos (desmaterialização, desreferencialização, deslocamento, estranhamento, interatividade…) espelham este estado de coisas?
Glossolalic Machines coloca em cena todas estas questões articulando-as num texto complexo, como máquinas: estruturas que funcionam como aparelhos, instrumentos que concorrem para um meio (como é na raiz latina). São máquinas tanto porque se estruturam a partir de todo um instrumental tecnológico – monitores de televisão, computadores, sensores óticos e sonoros, câmeras de vídeo, microfones, projetores, softwares – articulado ao corpo dos performers e às suas possibilidades expressivas, quanto porque o significado das máquinas glossolálicas só pode ser apreendido de modo global e sintético; um mínimo denominador comum resultante das possibilidades conotativas de cada um dos elementos postos em cena. Além disso, porque é a intervenção de um terceiro – o espectador – que faz como que a máquina funcione.
E são glossolálicas porque glossolalia é o que produzem. A manifestação de linguagem universal do espírito humano, como dirá Octavio Paz, mas muito comum no universo religioso, especialmente no pentecostalismo cristão, também foi a base da experimentação de muitos poetas das vanguardas do começo do século XX, especialmente os futuristas e os Dadaístas. Ball, Morgenstein, Krutschenik e muitos outros pesquisadores das poéticas experimentais da voz investigaram as possibilidades significativas de uma língua a-referencial, um língua em seu estado bruto, original, inaugural: o zaum, a língua transmental. A voz como possibilidade expressiva da essência primeira de todas as coisas, antes da mediação imposta pelo simbólico entre a nossa consciência e o ser de cada coisa.
Ao recuperar a técnica que influenciou o desenvolvimento da poesia contemporânea (podendo-se perceber seus reflexos não só nas vanguardas do início do século passado, como em grande parte da poesia sonora, da poesia concreta, da música experimental), Glossolalic Machine contribui para a memória da poesia vanguardista e faz referência à tradição como fonte inesgotável e impreterível para a criação artística. Agora, que um certo distanciamento histórico permite ver com outros olhos aquela proposta estética, é possível relê-las e se reapropriar de suas capacidades significativas.
Tratam de temas gerais relativos ao homem, o de hoje, o de ontem, o de sempre. Não pretendem ser uma síntese da alma humana, mas apenas uma (a)presentação de flashes dela. E sua seqüência numérica não implica em seqüência narrativa, nem institui escalas de valor. Apenas obrigam-se à ordem, ainda que de lógica randômica, como tudo na sociedade da informação.
O Projeto Balbucio
O Projeto Balbucio nasce dentro do Curso de Comunicação Social da Universidade Federal do Ceará a partir da iniciativa do professor Wellington Junior no desenvolvimento do estudo relacionado à experimentação em arte contemporânea, principalmente em temas ligados a glossolalia (ou o dom de línguas). Assim, no dia 29 de setembro de 2003, junto com cinco alunos do Curso, dentro da programação da 16º Semana de Comunicação Social da UFC, Wellington Junior e o Projeto Balbucio estrearam sua primeira performance: Glossolalic Machine #1 Cenacula.
Após cinco anos de atividade, o grupo conta com mais de 30 trabalhos – performances, instalações, vídeos, intervenções urbanas, happenings – desenvolvidos a partir das reflexões nos âmbitos da arte e da comunicação.
Em 2007, o grupo participou do Encontro Internacional de Estudos em Performance – PERFORMA 2007, ocorrido em Aveiro, Portugal. Fez ainda apresentações em Lisboa. Em 2005, organizou o I Seminário [bawbus´iu] de Arte e Comunicação – Articulações e, em 2006, II Seminário [bawbus´iu] de Arte e Comunicação – Etc. Rapadura. Foi selecionado no Programa BNB de Cultura na categoria de Artes Visuais (2005). No ano de 2008, o grupo apresentou o vídeo “Fortaleza 24 horas” no 18º Cine Ceará. Além de ter sido escolhido o Melhor Projeto de Extensão e Melhor Projeto em Arte nos Encontros Universitário da UFC em 2007.
Fazendo um breve apanhado da atuação do Grupo Balbucio nesses cinco anos, Wellington Jr. diz: “o Balbucio é uma experiência interessante e criativa na e para a cidade. É um grupo que estuda e traz reflexões dentro do âmbito da arte e comunicação que até então não eram abordadas em Fortaleza e dentro da Universidade. É um grupo de muita vitalidade, com quase 40 trabalhos em cinco anos, muitos deles premiados. Acho que os seis trabalhos acadêmicos – falo das monografias de conclusão de curso defendidas por participantes do Projeto e sobre o trabalho do Projeto – que foram gestados a partir das nossas experiências dão um pouco da dimensão do trabalho vivo que realizamos”.
Uma performance no museu
Quanto a incorporação da performance ao acervo do museu, o Projeto acredita que o ato suscita questionamentos sobre o papel dos espaços reservados a exposições artísticas. “Temos que repensar o museu não apenas como um depósito ou um lugar para aquelas modalidades artísticas cujo suporte é mais fixo, permanente, como a pintura e a escultura, mas como um lugar de reflexão, educação e experimentação, lugar, portanto, de toda e qualquer manifestação artística. Isto é um desafio pra museologia contemporânea”, explica o coordenador do Projeto.
Para o professor Wellington Junior, esse momento é importante para o Projeto, que celebra cinco anos de existência num espaço parceiro em inúmeros trabalhos, como também para o próprio MAUC que, se tornando o primeiro museu do Ceará a conter uma performance em seu acervo, mostra que está aberto a repensar o papel do museu na cena cultural e artística da cidade e para além dela.