Exposição 1989.01 – Catadores do Jangurussu – Descartes Gadelha – 20/07/1989
CATADORES DO JANGURUSSU – Pinturas executadas no local (Aterro Sanitário do Jangurussu em Messejana), reportam as cores deterioradas, portanto densas, próprias do lixo em decomposição e das pessoas que conseguem viver do que é possível recolher daquele mar de detritos.
A pintura é realizada sem a preocupação foto-jornalística da denúncia social, mas sim com a intencional busca da atmosfera psicológica do meio ambiente; são impressões coloridas e gestuais feitas da desesperada disputa de encontrar, mesmo remotamente, algo reaproveitável e que sirva de qualquer forma para prolongar por mais um pouco corpos semi-imprestáveis, esfarrapados pela miséria. Daí o aspecto retorcido, um tanto pétreo e desfalcado dos rostos, onde a única vitalidade restante é a do olhar cansado que guarda uma vaga expressão de busca e acusação. A fome, a doença, o abandono e o extremo desamparo modelam de tal forma aqueles seres, que visualmente seus corpos se fundem com o próprio lixo, em um nauseante espetáculo de camuflagem onde pedaços de lixo parecem conter inteligência, sentimento, portanto individualidade.
Os urubus, os cães, os ratos e os micróbios também participam do caótico banquete belicista onde todos são guerreiros defendendo o direito de viver. É a lei do lixo. Nessa imunda batalha só quem termina vencendo é a decomposição, que fria e indiferente, avança rapidamente com o seu poder de degradação, enquanto o homem falido mas compulsoriamente resignado prossegue retirando daí o que pode.
O lixo recolhido nos mais diferentes pontos da cidade chega ao aterro em veículos adequados. Em cada veículo que chega há a possibilidade de se achar algo reaproveitável, daí a surda e abafada alegria na chegada de cada veículo. É quando os rostos esboçam melancólicos sorrisos.
Descartes Gadelha
Uma exposição rica, arrancada à miséria. A divisão, a partilha, a luta bruta pela sobrevivência. O lixo-pasto da vida. Prato. Sabor amargo. O espaço da miséria preenchido em sua dor. A força e a esperança sobrepujam a indiferença humana. A perversidade. Gadelha soube aproveitar o que não se aproveita. O dejeto ganha luz, expressão, força no pincel desse artista de gênio. A criatura humana não desfalece por dentro. A alma continua inteira na esperança de um novo sol, um novo dia. Sua pintura tira da impureza a beleza do horror. A arte é soberana. O tema não importa. Ou importa muito, como este – o dos catadores de lixo do Aterro Sanitário de Jangurussu. O lado social neste pintor é importante: a denúncia. O lixo, aqui, é fonte de vida dos desamparados, sem outra opção. Embora o sensualismo seja uma constante na arte de Descartes, nesta exposição, porém, a degradação superpõe-se ao sensualismo. É que a miséria é muito forte. Parabéns, Descartes, por mais esse tento artístico.
Fortaleza 01 de agosto de 1989
José Alcides Pinto – JAP
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