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Universidade Federal do Ceará
Museu de Arte da UFC – Mauc

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Exposição 1963.04 – Antônio Bandeira – 03/07/1963

(Transcrito do Catálogo)

Dois Anos de MAUC

Solenidade de Abertura.

Dois anos de atividades completa o MAUC. Atividades sérias e planificadas. Seu primeiro contato com o público deu-se precisamente, no ato de sua inauguração, com uma exposição de Bandeira. Outra mostra do pintor assinala este segundo ano de vida. MAUC foi criado com o objetivo principal de resguardar e preservar o patrimônio artístico do Nordeste. Nas regulamentações que lhe deram origem e especialmente no espírito de seus idealizadores, este patrimônio, preservável e a resguardar, compreendia sobretudo as artes plásticas do Nordeste, nas quais se pretendiam divisar pontos de decadência, resultante do inevitável advento de um tecnicismo na região, celeiro ainda de uma arte nativa das mais  autênticas e indeformadas. Foi essa a atividade quase primordial do MAUC em dois anos de vida. Neste período acrescentou ao seu então acanhado acervo mil matrizes de xilogravuras, cerâmicas e esculturas de artistas de todas as regiões do Nordeste, e empenhou-se na divulgação de sua coleção de gravuras no Exterior, na Europa principalmente, convicto da importância de seu contato com as fontes das xilogravura européia, popular também na sua formação. O acerto do confronto foi o significado excepcional de que se revestiram as mostras desse material nas várias exposições realizadas, principalmente no Kunstmuseum de Basiléia, centro medieval da gravura européia.

Solenidade de Abertura.

Por que o MAUC, em espírito museu de arte popular, expõe artistas eruditos? A simples colheita e preservação do que se convencionou chamar arte popular não devem limitar às atividades de um museu, mesmo com a designação restrita de Museu de Arte Popular. A arte do homem do Nordeste é manifestação tão pura na sua realidade criadora quanto a do pintor Bandeira. O Museu de Arte da Universidade do Ceará acolhe as manifestações artísticas: as eruditas, resultantes da evolução do artista, essencialmente ligado à terra e às suas origens e as chamadas “populares” (eruditas também na sua força objetiva).Esta a justificativa, se necessário fosse, a uma exposição de Bandeira, quando o MAUC, em dois anos de atividades, apresenta os últimos trabalhos do pintor, gerados aqui mesmo, no contato mais estreito com as fontes de que ele próprio justificadamente se orgulha.

Lívio Xavier Jr.


Colecionador de Crepúsculos

Solenidade de Abertura da Exposição

Aqui mesmo em Fortaleza, na rua Santa Isabel, o menino Antônio Bandeira teve seu primeiro alumbramento, surpreendeu o primeiro guache, um certo crepúsculo triste e lindo, como estes que costumam aparecer por cá no mês de junho, feitos dum tom violeta muito exclusivo, tirando pro vermelho, com raras manchas dum azul estranho. Daí por diante, toda parte ficava espreitando o espetáculo, foi se tornando colecionador de crepúsculos, buscando-os diariamente, a princípio na janela de casa, ou na porta da Fundição do seu pai, mais tarde junto do mar, nas dunas do Mucuripe, no cais do porto, em Maranguape, na Serra Verde, um pouco por toda parte.  Depois foi ampliando o seu patrimônio de beleza, ganhou a noite, habitou madrugadas, viu dia nascendo, pescador partindo pro mar, conviveu com gente que enfrentava cada cotidiano com um heroísmo novo e a atenção do artista que já estava lá nele, há muito tempo, levou-o a fixar no papel todo aquele material que vinha compondo a tessitura do seu mundo interior.

No começo aventurou-se por conta própria, depois freqüentou aulas da Mundica, sua primeira professora, depois integrou um grupo de jovens pintores cearenses que compunham o Centro Cultural de Belas Artes (posteriormente SCAP), depois no Rio, depois em Paris, depois no vasto mundo de que se fez cidadão. Assim formou-se o artista, como se formam os grandes, com talento, com estudo, com trabalho, com coragem, com sofrimento, com amor, numa busca interminável, sempre se renovando, pesquisando, perseguido por uma sincera ânsia de realização e foi somando vivências, amando cidades, navios, gentes, lugares, plantas, coisas, bichos, momentos, captando belezas com aquela sensibilidade que se pode realmente chamar excepcional, trazendo tudo para seus quadros, transformando tudo em cor, levado pela poderosa capacidade criadora tão revelada, servido por um permanente sentido poético, uma constante de equilíbrio, que conferem a seus trabalhos a unidade que valeria bem a pena ver duma vez, numa retrospectiva.

Exposição Antônio Bandeira

A utilização inteligente de todo aquele citado patrimônio de lembranças reunido com zelosa ternura é outra constante na obra de Bandeira, assim como a definitiva presença da pureza que lhe vem da infância e que o artista cultiva com evidente amor. Que de menino, na verdade, Antônio Bandeira conserva quase tudo — a pureza, a bondade, o riso aberto, a capacidade de se fazer querer bem, a fácil convivência, essa deliciosa alegria de viver a simplicidade, a franqueza. Isso tudo somando o torna muito verdadeiro dá-lhe a marca de autenticidade que faz com que em qualquer esquina do mundo, nos bistrôs da Rive Guache, em Copacabana, na Bahia, ou em qualquer barzinho de beira de praia em Fortaleza, em todos os momentos, pintando, conversando, escrevendo, ouvindo, fazendo poesia, seja sempre o mesmo homem, o mesmo artista, o mesmo poeta, a mesma personalidade com aspectos tão diversos e ao mesmo tempo tão unidos pela iluminação do seu universo interior.

E dominando tudo, em todos os ângulos, esse conteúdo humano fabuloso que o faz realmente grande, que está em todos os seus trabalhos como nota central, vigorosa, esse imponderável tão fácil de ver, e que reflete o homem tranqüilo, sem dramas, sem tramas, sem conflitos, mas profundamente emocional, sinceramente afetivo. Tudo isso sem prejuízo de vigor, nem da suave beleza que marcam sua pintura.

As cidades que encontrou, as que amou, as que desamou, as que viu, as que viveu, assim como os barcos, estão todos nos seus quadros, pintados pelo poeta, mas são cidades e barcos que se juntam como gente, que se cruzam, num milagre de identificação que as vivências cosmopolitas e a força emocional do artista conseguem, dentro daquela linha de grandeza humana.

Exposição Antônio Bandeira

Ótimo, portanto, termos de novo entre nós este Bandeira que a gente recebe sempre como irmão de volta das largas andanças e ausências longas se reintegra na sua terra, no meio da sua gente, como se tivesse partido na véspera e faz uma ciranda de ternura entre os que aqui ficaram, faz uma ronda por todos os lugares que conheceu e que amou, retoma a sua posição de colecionador de crepúsculos, e com a mesma volúpia de menino da rua Santa Isabel, junta amigos, se ataca no rumo do mar e na beira da praia fica a esperar a hora em que o sol vai

deixando guaches pintados no poente e que o artista carrega de volta para os seus quadros. Voltando às suas origens para um contato tão rápido, o pintor carrega uma mostra do maravilhoso que habita seu grande mundo, traz uma das suas numerosas cidades, esta dourada, um casario branco sob sol vermelho e jangadas, cais noturnos, barcos, campos queimados, vegetais, paisagem atormentada, alguns navios que poderiam realizar o sonho de Rimbaud, (tem deles amanhecendo, outros a pleno sol, outros entrando na noite) e paisagem transparente, paisagem agreste, paisagem atormentada, morro vermelho, janelas, sombrias árvores azuis que de súbito se iluminam neste “azul noite de luar”, destinado a se fixar para sempre, inelutavelmente, dentro dos olhos de quem o vê.

Uma beleza também é receber aqui o nosso Antônio Bandeira num excelente momento de sua carreira, em plena maturidade, realizado, festejado, reconhecido, amado, respeitado no mundo e tê-lo justamente com esta exposição no Museu de Arte da Universidade do Ceará.

Milton Dias

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