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Exposição 2001.01 – Imagens de Vilas e Cidades do Brasil Colonial – 14/02/2001

(Texto Extraído do Livro Imagens de Vilas e Cidades do Brasil Colonial)

Por uma Perspectiva Urbana da História do Brasil

A História do Brasil Colonial foi escrita sobretudo a partir de documentos administrativos portugueses. Estes visavam apenas aos aspectos relevantes para a dominação colonial e revelam uma completa indiferença, quando não ignorância, sobre muitos aspectos da vida local. Por esta vertente se chega a uma perspectiva de desvalorização social dos habitantes do Brasil Colônia. Essa linha de análise levou, após a Independência, à descrição da Colônia como um universo de analfabetos, administrado por um grupo de ignorantes, que só começou a melhorar seu nível de civilização após 1822. Essa visão dos ex-colonos procurava devolver aos portugueses, com sinal invertido, os preconceitos que permearam os textos dos administradores coloniais. Mas, necessariamente, ocultava a presença na Colônia de alguns setores com vida urbana mais intensa, nos quais eram encontrados profissionais com níveis elevados de competência. Essa negação de aspectos fundamentais da vida colonial talvez seja responsável pelo completo esquecimento, constatado mesmo no final do século XX, da existência de algumas atividades urbanísticas nos séculos XVI e XVII e do intenso trabalho realizado nesse campo durante o século XVIII.

A outra vertente é a da valorização da contribuição política e dos costumes das famílias dos grandes proprietários rurais. Essa perspectiva, estabelecida a partir da Independência, levou-nos à valorização quase absoluta da vida rural em relação à urbana, como base da consciência nativista, desenvolvendo-se ao longo de todo o século XIX e no início do século XX. É a base de uma História do Brasil de plantadores de cana, de bandeirantes desbravadores e, depois, de plantadores de algodão, fumo e café e de criadores de gado.

Falta nesse quadro um estudo mais objetivo das atividades econômicas urbanas – basicamente comércio, serviços, construção civil, artesanato e produção cultural – e do papel de seus agentes no quadro da vida colonial. Os poucos estudos realizados, como os de alguns americanistas (HARRIS – 1956, ALDEN – 1968, DELSON – 1986 e KUSNESOF – 1986) e os de alguns brasileiros (LISANTE – 1973) nos anunciam uma linha fecunda de investigação. É possível perceber que o número elevado de habitantes urbanos, nas regiões das minas, necessariamente conduzia a formas mais elevadas de vida social. Ao mesmo tempo, induzia mudanças em outras regiões, com número reduzido de habitantes urbanos. Esse movimento era acompanhado pela administração colonial, durante o Período Pombalino, com estímulos diretos ao seu desenvolvimento. Entre os comerciantes, tais estudos informam sobre as atividades em Santos (SP) de um certo Ribeiro de Andrade, avô de José Bonifácio, já nos primeiros anos do século XVIII (LISANTE – 1973). A forma desse comércio, sobretudo nos setores de exportação, impostos e do tráfico com a África, no Rio de Janeiro e na Bahia, é revelada por autores como Lisante, Fragoso e Florentino (LISANTE – 1973, FRAGOSO – 1998 e 1999, FLORENTINO – 1997 e 1999).

Nesse universo se destacavam os engenheiros militares e as Aulas de Arquitetura, instrumentos importantes de administração oficial. A partir de 1750, os profissionais eram selecionados entre os de primeira linha em Portugal ou contratados entre italianos, franceses, alemães e escandinavos.

Na segunda metade do século XVIII, eram comuns nas regiões das minas (e mesmo em vilas e cidades de outras regiões) as “casas da ópera”, com suas companhias permanentes de músicos e cantores. Em 1765, um viajante inglês observou que a “casa da ópera” do Rio de Janeiro apresentava espetáculos a cada quinzena e nos feriados (FORBES – 1765). Na mesma época, em Vila Bela, então capital de Mato Grosso, existia também uma “casa da ópera” registrada nos desenhos. Segundo Moura, no século XVIII foram representadas, em Mato Grosso, pelo menos 80 diferentes peças (MOURA – 1976). Em Minas Gerais existiam cinco “casas da ópera” (ÁVILA – 1975). Era comum também a produção musical local de caráter religioso, de excelente nível, quase sempre envolvendo músicos de origem africana. A produção intelectual na arquitetura, na escultura, na talha, na pintura e na literatura comprova materialmente a complexidade daquela vida urbana. Também indica que as atividades culturais de maior nível não estavam restritas aos portugueses e seus descendentes diretos, mas incluíam largamente a participação dos setores de origem africana. A complexidade desse quadro urbano está por ser melhor explicada.

No mesmo período, tornou-se comum o envio de jovens brasileiros à Universidade de Coimbra, onde ingressavam cerca de 15 a cada ano. Os mais destacados ficavam envolvidos com a administração pública em Portugal e nem sempre voltavam. Alguns desempenharam papéis importantes.

No século XVII, entre outros exemplos, já se destacava a figura do Padre Antônio Vieira, português de nascimento, que estudou na Bahia. Quando retornou a Portugal, tornou-se conselheiro de D. João IV. Alexandre de Gusmão, nascido em Santos (SP), foi conselheiro de D. João V.

Na segunda metade do século XVIII, quando Pombal promoveu a introdução do ensino de Ciências em Coimbra, surgiram os primeiros pesquisadores nascidos no Brasil. Alexandre Rodrigues Ferreira, formado em Coimbra, coordenou a “Viagem Filosófica” à Amazônia e às regiões de Cuiabá e do Pantanal, realizando um dos mais complexos levantamentos biológicos, mineralógicos, climáticos e etnográficos da época. José Bonifácio de Andrada e Silva, nascido em Santos (SP), bacharelou-se em Coimbra, estudou Ciências em outros países, tornando-se correspondente dos grandes centros de pesquisa europeus. Durante algumas décadas, participou da alta administração pública em Portugal. Ao retornar ao Brasil, foi nomeado ministro (o primeiro brasileiro a ser ministro) pelo Príncipe D. Pedro e, em menos de 10 meses, organizou a Independência do país.

São fatos como esses que nos estimulam a conhecer melhor esse mundo urbano colonial e seu papel na História do Brasil.

Este livro pretende demonstrar também a importância de outras formas de estudo de História do Brasil, a partir das evidências materiais oferecidas pela arquitetura e pelo urbanismo por meio de plantas e desenhos de vistas das cidades, sobretudo onde nos faltam os documentos escritos. Conhecemos melhor o Egito Antigo, a Grécia e Roma pelos restos de sua arquitetura e de seu urbanismo. Sabemos mais sobre a Idade Média européia através de suas catedrais e cidades com ruas estreitas, do que a partir dos documentos escritos, que não estão ao alcance do grande público. Mas, para conhecer a História do Brasil, voltamo-nos para os livros baseados em poucos documentos e esquecemos de olhar ao redor.

Os preconceitos explicam como e por que os desenhos sobre o urbanismo do Brasil permaneceram esquecidos em múltiplos arquivos, espalhados pelo país e por bibliotecas, museus e arquivos de outros continentes. Ainda em 1940, um grande pesquisador norte-americano acreditava que não exis-tiriam nos arquivos mais do que 30 ou 40 desenhos sobre a arquitetura e o urbanismo do Brasil Colonial (SMITH – 1940). Na década seguinte, essa estimativa foi ampliada pelos pesquisadores. Nos dias de hoje, registramos cerca de mil imagens apenas sobre o urbanismo e calcula-se que devem existir muitas mais sobre arquitetura. As duas principais vertentes que orientaram a produção de uma História do Brasil, até o presente, tenderam a ignorar as informações sobre o Brasil urbano do Período Colonial e a docu-mentação correspondente.

Na passagem do milênio, quando o Brasil se torna uma nação predominantemente urbana – com algumas regiões quase totalmente urbanizadas – é o momento de ampliarmos nossa visão sobre o mundo urbano colonial, em seus múltiplos aspectos.

Preconceitos Sobre o Urbanismo Colonial

Durante muito tempo, acreditou-se que o urbanismo português na América fosse quase carente de padrões técnicos, como os que eram utilizados pelas demais potências colonizadoras no continente. Nos anos 50, o urbanismo português na Índia foi revalorizado em um texto de Mário Tavares Chicó (CHICÓ – 1953). Em alguns de nossos estudos, procurávamos proceder a uma revisão histórica das informações disponíveis sobre o urbanismo português no Brasil (REIS – 1964 e 1968), com base em pesquisas sobre os planos para vilas e cidades do Brasil, dos séculos XVI, XVII e XVIII. Nos anos seguintes, o assunto foi retomado e aprofundado por alguns autores, de forma especial por Roberta Delson (DELSON – 1979), com pesquisas sobre a iconografia disponível em arquivos portugueses.

Hoje, há consenso entre os pesquisadores portugueses e brasileiros de que a documentação disponível permite comprovar a existência de uma atividade planejadora regular do mundo luso-brasileiro. Esse ponto de vista, já aceito, carece, porém, de meios para uma consulta ampla e imediata à vasta documentação aqui reproduzida.

O objetivo deste livro é levar ao público esse conjunto de imagens, para permitir uma compreensão visual da formação e da evolução de nossas principais cidades. Para o leitor comum, é uma oportunidade para compreender como eram os centros urbanos do Brasil naquela época. Para os pesquisadores – urbanistas, geógrafos, historiadores e sociólogos – é um material de apoio fundamental aos seus trabalhos.

Sobre a Pesquisa

Nossa pesquisa sobre a documentação iconográfica das vilas e cidades do Brasil, existente nas bibliotecas e arquivos do Brasil, de Portugal e da Holanda, teve início por volta de 1960, como parte da fundamentação do livro “Evolução Urbana do Brasil (1500-1720)” (REIS – 1969). Naquela época, reunimos um conjunto apreciável de reproduções fotográficas relativamente simples.

Posteriormente, realizamos uma cuidadosa revisão desse material e um estudo detalhado de cada uma das peças iconográficas. Ao mesmo tempo, foi ampliado o levantamento junto a numerosos outros acervos, com um trabalho sistemático de reproduções fotográficas de alto nível de resolução, geralmente com chapas planas de 4 X 5 polegadas. Esse trabalho foi acompanhado pessoalmente pelo pesquisador, nos arquivos brasileiros e em alguns portugueses, sendo encomendadas reproduções, no caso dos arquivos de Holanda, Portugal e França.

Nessa última etapa, foram reproduzidos especialmente os desenhos referentes ao período 1720-1820, bem como refeitas quase todas as fotografias correspondentes às peças do período anterior. Em todos os casos, foram incluídas algumas indicações técnicas, de utilidade para os pesquisadores, como o título do desenho e a localização do original da cópia fotografada. Ao mesmo tempo, foram elaborados comentários sobre cada uma das imagens e textos com uma visão de conjunto para as peças iconográficas correspondentes a cada um dos atuais estados brasileiros, cujas vilas e cidades tenham sido documentadas. Os comentários sobre as imagens mais antigas são geralmente mais extensos, uma vez que são desenhos de mais difícil datação e interpretação, inclusive por não haver registro dos nomes dos autores de alguns desses trabalhos.

Na etapa de seleção, preocupou-nos apenas o recolhimento dos desenhos que pudessem, direta ou indiretamente, servir para o conhecimento dos núcleos urbanos no seu conjunto. Não incluímos, portanto, as plantas com vistas de detalhes, nem os mapas de caráter exclusivamente geográfico, assim como vistas de batalhas ou paisagens, ainda que servissem, por vezes, para fins históricos ou para o conhecimento de aspectos da arquitetura. Também não incluímos desenhos de fortificações e edifícios existentes nas mapotecas de arquivos e bibliotecas de Portugal e do Brasil, a não ser em alguns casos específicos em que essas obras se mostram importantes para o conhecimento do processo de formação urbana do local.

Nessas condições, deixamos de nos referir à maior parte das cópias e a muitos desenhos, que fogem ao nosso objetivo e que têm sido estudados em publicações de especialistas, como Adonias, Teixeira da Motta e Furtado, de cujo auxílio nos valemos e aos quais remetemos os interessados (ADONIAS – 1960 e 1993; MOTTA – 1968 e FURTADO – 1960).

Entre as fontes portuguesas mais antigas, por sua antigüidade, qualidade documental e volume, destacam-se os desenhos avulsos ou reunidos sob a forma de atlas dos Teixeira – Luiz Teixeira, João Teixeira Albernaz I e João Teixeira Albernaz II -, membros de notável família de cartógrafos lusitanos. Durante cinco ou seis gerações, essa família contribuiu para a cartografia e alguns de seus membros alinham-se entre as figuras mais notáveis de seu tempo, no setor. Sua obra tem sido objeto de estudos cuidadosos, recomendando-se o de Avelino Teixeira da Motta, em seu “Portugaliae Monumenta Cartographica”, escrito em conjunto com Armando Cortesão, onde podem ser encontradas, além de reproduções esmeradas dos desenhos, informações biográficas e bibliográficas.

Só registramos aqui uma parte desses desenhos porque, em sua maioria, apresentam um interesse apenas relativo para o objetivo desta obra. Nessas imagens, as povoações são quase sempre representadas de modo esquemático, pois serviam mais aos propósitos de navegação do que para conhecimento das condições militares em terra. De maneira geral, poderiam ser utilizadas para a determinação de situação e sítios primitivos das povoações, devendo-se levar em conta que a fidelidade dessas informações era verificada por alguns dos autores, que percorreram a costa brasileira. Desse conjunto, fazem parte algumas plantas e vistas de excepcional interesse, como a “Planta da Restituição da Bahia”, que incluímos em nosso trabalho. De grande utilidade são também os desenhos holandeses do século XVII, como os de Joris van Spilbergen, publicados em 1621, com base em uma viagem de 1616; o “Reys-boeck”, de 1624 e os demais, referentes aos ataques à Bahia (1624 e 1627) e à ocupação do Nordeste (1630-1654), que focalizam a faixa da costa, entre a Bahia e Belém (PA).

Conhecem-se também, da mesma época, diversos levantamentos portugueses, sobretudo de Pernambuco e Salvador (BA). Alguns desenhos datados do fim do século XVII e início do XVIII são de viajantes que passaram por Salvador e Rio de Janeiro, como Froger e Frézier. Os desenhos do Rio de Janeiro, realizados no período dos ataques franceses, e os planos de fortificação da costa foram elaborados pelo brigadeiro Massé, engenheiro francês a serviço de Portugal. Os documentos posteriores, do século XVIII e início do XIX, são quase todos originais, elaborados por engenheiros militares portugueses ou profissionais de outros países, a serviço de Portugal. Entre eles, podemos encontrar alguns profissionais nascidos no Brasil e formados pelas Aulas de Arquitetura criadas na Colônia, a partir do final do século XVII. Sobre esse assunto, a obra mais importante é o livro de Sousa Viterbo (VITERBO – 1988).

Sobre as Principais Fases de Produção de Desenhos

No século XVI e em parte do XVII, os registros eram sobretudo de caráter geográfico. As cidades e as vilas eram representadas esquematicamente, como partes de mapas, isto é, de trabalhos mais amplos, com caráter cartográfico. Os navegantes registravam como podiam as informações sobre os centros urbanos – sobretudo sobre seus sistemas de defesa – e as passavam aos cartógrafos, que as integravam em seus trabalhos, visando sobretudo à orientação para outros navegadores e às necessidades dos militares e dos administradores da Corte. Esses foram os procedimentos que ampararam os cartógrafos portugueses, como os da família Teixeira. Mas foram também os procedimentos mais utilizados pelos cartógrafos holandeses, do século XVI a meados do século XVII, quando a união das coroas de Portugual e Espanha os levou à guerra com seus antigos aliados lusitanos. Mas, nesse caso, as observações dos navegadores eram mais esquemáticas, por serem rápidas e clandestinas.

Uma vez estabelecido o estado de beligerância, a presença corrente de engenheiros militares do lado português e de profissionais especializados, no caso dos holandeses no Nordeste, permitiu a produção de um número significativo de documentos de nível técnico mais elevado.

Um florescimento semelhante ocorreu na segunda metade do século XVIII. Ao longo desse período, os tratados de limites com a Espanha exigiam a presença de missões de demarcação, que terminaram por oferecer uma base técnica para a administração colonial, o que possibilitou a produção de um número imenso de desenhos, com levantamentos e projetos de vilas e cidades, como também um número equivalente de obras de alto nível. Pode-se observar claramente, nesse conjunto de imagens, que a atividade dos profissionais portugueses se deslocou no tempo, de uma atividade puramente militar e defensiva, para um campo de ação especificamente urbanístico.

No século XVIII, com o desenvolvimento da vida urbana nas regiões de mineração e nos principais portos, tornou-se importante para o governo português a aplicação de modelos mais complexos de controle urbanístico, que levaram à implantação de normas minuciosas e à elaboração de estudos e projetos com níveis elevados de qualidade profissional. Essa ação controladora foi facilitada pela presença dos engenheiros militares, responsáveis pelos trabalhos de demarcação dos limites. Dessa etapa existem numerosos desenhos aquarelados, com esmerada elaboração, mostrando as vilas e cidades em sua arquitetura e urbanismo.

Amplitude da Documentação e Divulgação para o Grande Público

Um trabalho como este não pode ter a pretensão de ser completo. Ainda que tenhamos nos empenhado nesse sentido, sempre surgem notícias sobre outras imagens por nós desconhecidas, existentes nos arquivos de vários estados do Brasil e do exterior. Esta é uma linha de pesquisa na qual ainda há muito a fazer e este livro pretende ser apenas um inventário de parte de nossos próprios conhecimentos, numa primeira etapa. O assunto é hoje explorado por um número muito grande de pesquisadores em vários estados brasileiros e na Europa e acreditamos que novas gerações de pesquisadores venham ampliar em muito as informações sobre a iconografia das cidades do Brasil.

Evitamos usar no título, e mesmo no corpo do livro, a palavra iconografia, que é a expressão técnica para os estudos das imagens, porque nosso objetivo é levar essa documentação – através do livro, da exposição fotográfica e dos painéis impressos – não apenas aos especialistas, mas também, com o mesmo nível de empenho, ou maior ainda, ao grande público em todo o país.

A elaboração do conhecimento nas universidades deve ser realizada em bases estritamente técnicas. Mas sua divulgação deve ser ampla, levando a toda a sociedade os benefícios dos investimentos feitos em nossas pesquisas e permitindo-lhe conhecer a amplitude de nossos esforços, sempre que possam ser de seu interesse. A maioria da população brasileira vive em cidades cujos centros urbanos são aqui documentados e tem o direito de conhecer as imagens de seu passado. Esta documentação será levada aos museus, às bibliotecas e às escolas, para que a população possa conhecer a história de suas cidades. Uma coisa é conhecer informações sobre o passado. Outra, muito diversa, é ter a possibilidade de ver, em cores, imagens que mostrem aspectos materiais desse passado. Nosso objetivo, na passagem do V Centenário do Brasil, é levar essas imagens ao conhecimento do público. Por isso, muitas informações técnicas foram retiradas dos textos, substituídas por notas explicativas mais objetivas. As informações técnicas permanecem em nossos arquivos e poderão, em futuro próximo, ser consultadas pelos pesquisadores na Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo.

O número elevado de peças iconográficas de que dispomos hoje nos permite estabelecer uma ampla visão de conjunto sobre a atividade de urbanização e de urbanismo no mundo luso-brasileiro. Esse acervo supera em muito a capacidade de observação de um único pesquisador e deve ser posto ao alcance dos pesquisadores de todas as regiões.

Ao examinar esse conjunto de desenhos, não podemos deixar de lembrar uma frase pouco feliz do pesquisador norte-americano de arte luso-brasileira Robert C. Smith, quando afirmou que “os portugueses desconheciam a ordem”, referindo-se às atividades urbanísticas no Brasil (SMITH – 1955).

A ampla documentação recolhida, sobretudo a que se refere ao século XVIII, permite uma contestação formal e definitiva dessas críticas, que predominaram até os anos 60. O exame desses desenhos nos leva ao reconhecimento da importância do urbanismo luso-brasileiro no século XVIII e da amplitude da atuação dos chamados engenheiros militares por todo o extenso território brasileiro, mesmo em regiões afastadas e então poucos desenvolvidas.

A Organização do Texto e das Imagens

As informações foram organizadas utilizando o quanto possível critérios adequados aos problemas de consulta, que ocorrem com mais freqüência para arquitetos e profissionais afins, durante o estudo das formações urbanas brasileiras.

A disposição do material obedeceu aos seguintes procedimentos:
a) os desenhos foram ordenados por critério geográfico, conforme os territórios que hoje constituem os estados, reunindo-se assim documentos de suas cidades, vilas, povoações ou aldeias;
b) dentro dessa divisão, foi guardada a ordem cronológica, na medida do possível;
c) as informações referem-se às estampas e aos desenhos por nós considerados como originais ou mais antigos;
d) as cópias só foram utilizadas quando os originais não foram encontrados ou quando se impunha uma comparação;
e) as datas indicadas correspondem às épocas das tomadas das imagens e as datas entre parênteses, quando ocorrem, indicam a época das edições (para publicação) ou das cópias (para os desenhos). As datas e informações entre colchetes correspondem a atribuições possíveis.

As pesquisas que fundamentaram o trabalho foram amparadas durante muitos anos pela FAPESP – Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo e, mais recentemente, também pelo CNPq – Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico.

Nestor Goulart Reis


Bahia

A colonização da Capitania da Bahia foi efetivamente iniciada em 1549 com a fundação de Salvador, que seria a sede do governo do Brasil até 1763. Antes, houve uma tentativa fracassada de ocupação, feita por seu donatário, com a criação da chamada Vila Velha, junto ao atual farol da Barra. Quando o donatário morreu, a Coroa retomou o domínio da Capitania e instalou ali o Governo Geral. Assim, Portugal centralizou o poder e passou a dar maior apoio aos esforços de colonização nas várias capitanias e ao desenvolvimento de um sistema defensivo. No século XVIII, o território da Capitania da Bahia foi ampliado, com a incorporação das áreas das antigas capitanias de Ilhéus e Porto Seguro, situadas ao sul do Recôncavo Baiano, transformadas em comarcas.

As imagens sobre as povoações desses territórios, no século XVII, foram em parte produzidas pelos holandeses, que ocuparam Salvador em 1624 e voltaram a atacar a cidade em 1627, 1638 e 1640. Daquele século, existem quatro desenhos portugueses e dez holandeses. Os dois mais antigos são versões da “Pranta da Çidade do Salvador”. Acredita-se que estas foram baseadas em um levantamento realizado em 1604 ou 1605, posteriormente reutilizado por volta de 1616 e em 1626, para ilustrar livros oficiais, que descreviam a situação do Brasil.

O desenho seguinte também é um original português, “Perfil da Cidade de S. Salvador”, existente no Algemeen Rijksarchief, em Haia. Nele aparece apenas um guindaste na Praça – o guindaste dos jesuítas e o Forte do Mar não foram indicados. Acreditamos que esse trabalho mostre um perfil da Bahia vista do mar, entre 1609 e 1612, isto é, cerca de 60 anos após a fundação da cidade.

Nos primeiros anos do século XVII, já ocorriam alguns choques com os holandeses. Com a união das coroas de Portugal e Espanha (1580), os conflitos espanhóis se estenderam aos domínios portugueses. Os desenhos de Dierick Ruiters e do Reys-boeck são documentos das viagens de reconhecimento da costa, mas ainda de pouca precisão. O primeiro grande ataque holandês ao Brasil aconteceu em 1624 e dele resultou a ocupação da Bahia até o ano seguinte. Os acontecimentos, que provocaram forte impacto na Europa, foram descritos em vários textos e representados em muitos desenhos. Uma gravura de Claes Janzs Visscher e Hessel Gerritsz, que se tornou famosa, mostra o mar e a batalha naval, a Cidade Baixa e apenas o perfil da Cidade Alta. Dessa época, temos informações sobre cinco versões dessa mesma gravura.

Além das duas gravuras holandesas, existem dois desenhos desse mesmo período, com vistas a vôo de pássaro: o do livro de Hondius (que mostra a Baía de Todos os Santos e uma planta da cidade de Salvador) e uma vista, também muito copiada, com o título de “Urbs Salvador”.

Um outro ataque, em 1627, com menores resultados práticos, foi registrado pelos holandeses, em gravura de Hessel Gerritsz. Existe no Algemeen Rijksarchief, em Haia, um outro desenho português, provavelmente de 1638, que mostra as fortificações feitas na cidade por ocasião do ataque comandado por Maurício de Nassau. Também holandeses são os desenhos do livro de Caspar Barlaeus, que inclui uma planta, baseada no trabalho que ilustra o livro de Hondius, de 1624, retomado depois por Johannes Vingboons.

Os desenhos sobre a cidade de Salvador escassearam com a restauração da Coroa de Portugal, em 1640, e o fim da ocupação holandesa em Pernambuco (1630-1654). O primeiro trabalho que conhecemos desse período é o desenho incluído na obra do francês Froger, de 1695. Trata-se de um perfil da cidade, vista do mar. Depois, temos a planta e a vista do inglês William Dampier. Um desenho de outro francês, Frézier, de 1714, mostra uma vista e uma planta de Salvador e o plano de fortificação do Brigadeiro João Massé, de 1715. Um desenho, semelhante ao que ilustra o livro de Froger, é uma estampa da obra de François Coréal, considerada um plágio na parte escrita.

Do século XVIII, temos uma série apreciável de plantas e vistas de Salvador elaboradas por engenheiros militares portugueses ou a serviço de Portugal. Muitos deles eram antigos alunos da Aula de Arquitetura Militar de Salvador. Esses levantamentos seriam mais tarde copiados pelos jovens em formação, como registram vários desenhos, como parte de seu treinamento. De alguns, não temos os originais, apenas as cópias. De outros, contamos com vários exemplares, quase idênticos, já que era prática elaborar dois ou três exemplares. Um era remetido para Portugal, enquanto os outros permaneciam nos arquivos locais.

Os principais levantamentos são os da planta da cidade, elaborada pelo Brigadeiro Massé, por volta de 1715, e o perfil de Salvador traçado pela equipe do engenheiro Manuel Cardoso de Saldanha em 1756, com participação destacada de José Antônio Caldas, um engenheiro militar nascido no Brasil e formado pela “Aula” de Salvador. Caldas incluiu esse perfil em um livro de sua autoria, em 1759. Esses dois trabalhos serviram de base para quase todos os outros desenhos elaborados por engenheiros militares no século XVIII.
Dois outros desenhos, de viajantes, já mencionados, também não são cópias das obras de Massé e José Antônio Caldas: o de Frézier, de 1714, e o de Dufourcq, de 1782. No final da série, incluem-se dois trabalhos referentes às áreas consideradas como “subúrbios” de Salvador e outro sobre um quilombo no Rio Vermelho, com uma planta mostrando o rigoroso traçado retilíneo das ruas.

Em seguida, são apresentados desenhos referentes a outros municípios. Os primeiros são sobre a vila de Cachoeira, um mapa da Baía de Todos os Santos e de regiões mais ao sul, incluindo o Morro de São Paulo e Camamú. Segue-se um perfil da povoação e da fortificação do Morro São Paulo, que guarnecia a entrada para a baía de Camamu. O texto leva a crer que seja um desenho português, tomado pelos holandeses. Ao que tudo indica, é um trabalho até aqui inédito no Brasil.

Depois estão incluídos desenhos de várias vilas, com destaque para os projetos de quatro delas, existentes nas antigas capitanias de Ilhéus e Porto Seguro, na época já transformadas em comarcas da capitania da Bahia. Com seu traçado geométrico perfeito, são exemplos do urbanismo da fase pombalina.

Seguem-se as plantas de duas antigas aldeias de índios, criadas pelos jesuítas, que passaram para a administração do governo e foram elevadas à condição de vilas, com os nomes de Abrantes e Santarém. Outras três, não incluídas nesse trabalho, fazem parte dessa série. São a “Aldea de S. Fidelis”, a “Aldea de Nossa Senhora dos Prazeres de Jequirica” e a “Aldea de Massarão de Ipio”, também localizadas no Arquivo Histórico Ultramarino de Lisboa.


Sergipe

O território que corresponde ao atual estado de Sergipe foi conquistado por Cristóvão de Barros por volta de 1590, depois de uma guerra com os indígenas locais.

A intenção era assegurar o domínio da região, para permitir a abertura de uma ligação por terra entre Bahia e Pernambuco.

Não dispomos de desenhos das vilas da Capitania, mas apenas de alguns mapas da região, nos quais está indicada, de forma esquemática, a vila de São Cristóvão, sede da capitania. Escolhemos um deles, como exemplo.


Alagoas

Todas as imagens referentes às vilas do território do atual estado de Alagoas correspondem ao período da invasão e ocupação holandesa. Mais tarde, restabelecido o domínio português, a região já não tinha a mesma importância militar, deixando suas povoações de serem registradas pela iconografia.

O território pertencia à Capitania de Pernambuco, que se estendia pela margem esquerda do Rio São Francisco, até o território de Minas Gerais. No início do século XIX, como uma reação contra movimentos revolucionários em Pernambuco, para reduzir sua autonomia, a área de Alagoas foi separada, tornando-se uma Capitania independente, e a parte leste do Vale do São Francisco foi incorporada à Capitania da Bahia.

As imagens aqui mostradas correspondem às povoações então em território pernambucano, que permaneceram nas mãos dos portugueses, após a ocupação de Olinda e Recife (1629), e antes da chegada de Maurício de Nassau (1637). Eram apenas três vilas. Bom Sucesso do Porto Calvo (atual Porto Calvo), Penedo do Rio de São Francisco (atual Penedo) e Santa Maria Madalena de Alagoa do Sul (atual Marechal Deodoro), todas elevadas à condição de vilas em 1636, quando se tornaram bases de resistência ao avanço holandês. No ano seguinte, com as iniciativas bélicas de Maurício de Nassau, Porto Calvo foi ocupada pelos holandeses (1635), retomada pelas tropas portuguesas e novamente ocupada pelos holandeses em 1637, sob comando do próprio Maurício de Nassau.

Nos desenhos, podemos notar a diferença entre as indicações referentes aos antigos povoados, nessa época elevados à condição de vilas, e as áreas fortificadas, desproporcionais à escala dessas mesmas povoações, mas correspondentes à escala dos grandes conflitos que se desenrolavam na região.


Pernambuco

Temos um grande número de imagens de Olinda e Recife feitas nos séculos XVI e XVII. Dessas, oito são portuguesas, sendo duas de Diogo de Campos Moreno, duas de Cristóvão Álvares e as outras dos atlas manuscritos de João Teixeira Albernaz I. As demais são holandesas, quase todas exemplares impressos, provavelmente tendo por base desenhos elaborados no local. Com exceção dos quatro primeiros, os trabalhos dessa fase são referentes a episódios relacionados com os ataques e a presença holandesa no nordeste do Brasil.

O mais antigo é o manuscrito de Dierick Ruiters, de 1617, que se conserva no Algemeen Rijksarchief, de Haia. Outro desenho holandês é uma ilustração do Reys-boeck, publicado em 1624, ano do ataque à Bahia.

É um dos muitos desenhos elaborados pelos holandeses desde fins do século XVI, visando registrar informações sobre os estabelecimentos portugueses e a costa do Brasil, certamente com objetivos militares.

O outro, do “Livro que dá Rezão”, é um manuscrito de João Teixeira Albernaz, provavelmente de 1626, mostrando as obras de defesa realizadas em Pernambuco na época da ocupação da Bahia pelos holandeses (1624-1625).

Todos os trabalhos seguintes se referem aos episódios da presença holandesa, do ataque e ocupação de Olinda, de 1630, até 1645, quando os portugueses intensificaram a luta pela retomada do território. São basicamente três séries de desenhos. De início, há um grupo de gravuras e originais, que descreve as batalhas e a ocupação do território e das povoações. Essas gravuras eram publicadas geralmente em folhas impressas, como jornais, que noticiavam os sucessos militares dos holandeses no Brasil.

Dessas, é preciso destacar um desenho que mostra Olinda e Recife em 1630, no momento da ocupação, certamente realizado por um profissional experiente. Os edifícios e as fortificações são mostrados com muitos detalhes e a arquitetura obviamente corresponde aos padrões portugueses da época. Podemos afirmar, com boa dose de segurança, que o próprio autor dos desenhos preparou as gravuras dos impressos na Holanda, ou orientou pessoalmente o trabalho porque a fidelidade aos padrões arquitetônicos portugueses se mantém intacta.

Provavelmente, esse desenho serviu de modelo para outras estampas da série, ilustradas com vistas das duas povoações, nas quais a correspondência dos edifícios com sua posição no original é quase perfeita. No entanto, os detalhes da arquitetura são de características nitidamente holandesas, mostrando que as gravuras foram preparadas na Europa, por pessoas que não tiveram contato com o local, reinterpretando o que era português, com olhares estrangeiros.

Um segundo grupo de desenhos corresponde às plantas do Recife, povoação ocupada e ampliada pelos holandeses após o incêndio de Olinda, em 1631. São trabalhos técnicos, nos quais podemos acompanhar o desenvolvimento da ação urbanística holandesa. Dessa fase, existem também alguns desenhos portugueses nos quais se procurava fixar, para uso das autoridades portuguesas, os sistemas defensivos montados pelos holandeses.

O terceiro grupo ilustra o livro de Caspar Barlaeus (BARLAEUS – 1647). Muitas das ilustrações da obra estão assinadas “F. Post”, isto é, por Frans Post, pintor holandês que acompanhou Maurício de Nassau, tendo permanecido no Brasil de 1637 a 1644. Pelas informações disponíveis, as gravuras teriam sido preparadas pelo próprio Post, após seu regresso à Holanda, em 1645. Essa data consta em algumas das ilustrações do livro, publicado pouco depois, em 1647.

Inicialmente, havia a convicção de que as gravuras tivessem sido preparadas por um outro artista, Jan van Brosterhuisen. No entanto, estudos mais recentes procuram provar que o autor das gravuras e dos desenhos é Frans Post. Essa é a nossa convicção, uma vez que todos os detalhes dessas gravuras revelam uma estreita familiaridade com o local e guardam fidelidade às características da arquitetura portuguesa, o que dificilmente aconteceria no caso de os desenhos terem sido gravados por outra pessoa. Assim, o fato de apenas algumas das gravuras serem assinadas por F. Post não significa que as demais não tenham sido elaboradas por ele, inclusive porque apresentam o mesmo estilo.

As plantas são baseadas em levantamentos realizados por engenheiros holandeses, o que em alguns casos pode ser comprovado. Já as vistas são evidentemente apoiadas em desenhos feitos no local por Post, durante sua permanência no Brasil. Dessa forma, a data das gravuras, 1645, pode não corresponder aos originais, uma vez que Post retornou à Europa em 1644. Por isso mesmo, acreditamos que esses trabalhos tenham sido realizados em momentos diferentes, ao longo de sua estada de sete anos no país. Não é possível precisar a data de cada um deles. Ao todo, estão reunidos sete desenhos de Frans Post e três plantas.

Os desenhos e as gravuras de Post, como seus numerosos quadros, são certamente os melhores documentos sobre as vilas e cidades do nordeste brasileiro, na primeira metade do século XVII. A qualidade artística faz com que todos eles sejam reconhecidos como obras de arte de valor, inclusive do ponto de vista financeiro. O valor documental, por sua vez, é indiscutível e equivalente ao monetário.

Encontramos duas formas diferentes da obra de Barlaeus. A mais simples é impressa em preto, destinada ao público em geral, e dela existem várias edições. A versão mais refinada, existente na Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro, foi aquarelada à mão, em cores, o que eleva extraordinariamente a sua qualidade documental. Fizemos questão de incluir as ilustrações com essas características.

Quanto às plantas do Recife, cabe registrar que o trabalho minucioso de José Antônio Gonsalves de Mello permitiu uma datação quase perfeita e a identificação dos autores de algumas delas, levantando ainda hipóteses sobre a autoria das outras (GONSALVES DE MELLO – 1976).

As imagens referentes ao século XVIII são, na maioria, trabalhos manuscritos originais, de engenheiros militares, com formação profissional sistemática na Europa, ou nascidos no Brasil e formados nas Aulas de Arquitetura Militar, como ocorreu no Rio e em Salvador. A exceção é a perspectiva do Recife, excelente trabalho do padre jesuíta José Caetano.

As mais antigas são as vistas de cinco vilas, incluídas em um quadro “ex-voto”, que existia na igreja dos santos Cosme e Damião, em Igaraçu. Hoje o quadro está no museu daquela cidade, instalado no antigo convento franciscano. As seguintes são plantas do Recife, elaboradas entre 1729 e 1739, com um intervalo de mais de 80 anos, em relação à edição do livro de Barlaeus, de 1647. No período pombalino (1750-1777) tornaram-se freqüentes os levantamentos. Os últimos já são do tempo de D. João no Brasil (1808) e, após a sua volta, do príncipe-regente D. Pedro.


Paraíba

A colonização do território do atual estado da Paraíba foi iniciada em 1585, com a construção da povoação de Filipéia de Nossa Senhora das Neves da Paraíba, na margem direita do rio Paraíba. Na mesma época, a cerca de 25 quilômetros de distância, foi erguido um forte junto à foz do rio, para defender a região. Erguida em uma Capitania pertencente à Coroa, Filipéia desde o começo recebeu o título de cidade, apesar de ser menor do que as vilas existentes nas capitanias pertencentes a donatários. Mais tarde, passou a ser conhecida simplesmente como Paraíba e, no século XX, como João Pessoa.

A cidade de Paraíba foi projetada e construída com traçado em xadrez e corresponde ao período de união das Coroas de Portugal e Espanha, levando à adoção, pelo menos parcial, de normas urbanísticas das Ordenações Filipinas.

Os desenhos mais antigos que temos da região são portugueses e ilustram a “Relação das Praças Fortes do Brasil” e o “Livro que dá Rezão do Estado do Brasil” (ca. 1626), ambos de Diogo de Campos Moreno. Temos vários desenhos do período de domínio holandês. Um deles é muito esquemático e mostra os primeiros conflitos entre portugueses e holandeses, em 1631. Outro, publicado como um panfleto, retrata o desembarque e a vitória das forças holandesas, em dezembro de 1634. Outros três foram incluídos como estampas no livro de Barlaeus. Dois deles são de autoria de Frans Post e mostram uma planta e uma vista da cidade de Paraíba, que nos permitem conhecer um pouco a sua aparência naquele período. O terceiro, de autoria desconhecida, é uma carta de caráter geográfico, que tem uma versão mais simples publicada no atlas de J. Vingboons.


Rio Grande do Norte

O território do atual estado do Rio Grande do Norte fazia parte da Capitania de Rio Grande, pertencente à Coroa Portuguesa. Em 25 de dezembro de 1599, o sítio da vila de Natal foi demarcado, localizando-se pouco acima do rio Potenji. A principal edificação da área era o Forte dos Reis Magos, que mantinha estreita ligação com a vila de Natal. Projetado pelo padre Gaspar Sampere, era conhecido como a Fortaleza dos Reis Magos.

Dez anos após o início do povoamento da região, em 1609, um desenho do Forte dos Reis Magos aparece no livro de Diogo de Campos Moreno, “Relação das Praças Fortes do Brasil” (MORENO – 1609). Posteriormente, a edificação, uma das mais importantes obras do gênero executadas no Brasil durante o domínio português, teve seu projeto original modificado pelo engenheiro militar Francisco de Frias da Mesquita e foi reconstruída em pedra entre 1614 e 1619.

Em 1630, a vila de Natal teria apenas entre 25 e 30 casas, cobertas de palha.

Apesar de sua localização estratégica, no extremo norte do país, a região tinha pouca importância econômica, durante os dois primeiros séculos após o Descobrimento. Esse fato pode ajudar a explicar a quase inexistência de documentação portuguesa sobre a região. É preciso levar em conta, ainda, que sua colonização mal havia começado, à época das guerras com a Holanda, fazendo com que tanto portugueses quanto holandeses tivessem mais interesse pela posição estratégica do local do que por aquela vila pequena e isolada das outras regiões.

Alguns desenhos foram executados no período da dominação holandesa. Dois deles ilustram o livro de Barlaeus (Barlaeus – 1647) e mostram apenas o Forte dos Reis Magos, que os holandeses chamavam de Ceulen. A parte urbana, que para nós teria interesse especial, foi deixada de lado. Uma cópia desse trabalho faz parte do atlas de J. Vingboons. Um outro desenho, também uma cópia, publicado por I. Commelyn em 1651, mostra a conquista do local pelos holandeses.

Não dispomos de imagens dessa Capitania no século XVIII e nos últimos anos do Período Colonial.


Ceará

Os desenhos que mostram a área da mais antiga povoação, do que seria depois a Capitania do Ceará, foram elaborados pelos holandeses. Referem-se a uma fase em que o local tinha basicamente um papel militar, dispondo de população extremamente reduzida.

A fortaleza, muito simples, foi construída na barra do Rio Ceará por Martim Soares Moreno, entre 1621 e 1631 (CASTRO – 1999). Alguns anos depois, em 1637, foi ocupada pelos holandeses.

Dois desenhos foram incluídos como ilustrações na obra de Barlaeus (BARLAEUS – 1647). Em 1637 Maurício de Nassau enviou ao Ceará duas companhias de soldados, comandadas pelo major Joris Garstman, que conquistaram o pequeno forte português. Em local mais a oeste, foi construído em 1640 um forte novo, por Matias Beck, ao qual se deu o nome de Schoonenborch, sobre o qual há um desenho holandês. Depois da expulsão dos holandeses, os portugueses passaram a denominar o local de Fortaleza de Nossa Senhora da Assunção, da qual originou-se o nome da vila e atual cidade de Fortaleza, criada formalmente apenas em 1726.

De 1730 temos um desenho da vila, já como sede da Capitania, e de 1811 uma perspectiva (em duas versões), ambas muito simples.

A primeira planta da vila comparece como um detalhe, em um mapa da já então Capitania do Ceará, levantado por Antonio José da Silva Paulet, em 1813. No mesmo documento se inclui uma planta da vila de Aracati.
A iconografia e a cartografia do Ceará mereceram estudos detalhados de Liberal de Castro, em vários trabalhos (CASTRO – 1979, 1994 e 1997).


Piauí

Os criadores de gado saídos do Vale do São Francisco foram os responsáveis pela colonização do território do atual estado do Piauí, na segunda metade do século XVII.

Não por acaso, um desses povoadores, Domingos Mafrense, ficou conhecido na época como Domingos Sertão. Em 1715, o território do Piauí deixou de pertencer à Capitania da Bahia e foi incorporado à do Maranhão. Criada em 1718 por alvará, a Capitania do Piauí só foi de fato instituída 40 anos depois. Seu desenvolvimento foi impulsionado durante a administração do Marquês de Pombal, quando sete povoações foram reorganizadas e elevadas à condição de vilas e uma delas, Oeiras, à condição de cidade.

Os desenhos foram realizados nos últimos anos do século XVIII e início do XIX. Em 1809, durante o governo de Carlos Cezar Burlamaqui, algumas vilas da Capitania do Piauí foram registradas por José Pedro Cezar de Menezes. Apesar de simples, os desenhos em perspectiva permitem uma melhor compreensão das povoações da época. Dois deles fazem parte do acervo do Arquivo Histórico do Exército, no Rio de Janeiro, e um terceiro da Biblioteca Nacional de Lisboa.


Maranhão

A cidade de São Luís do Maranhão foi fundada em 1612 pelos franceses, que tentaram criar ali a “França Equinocial”. Depois de sua expulsão pelos portugueses, o núcleo urbano foi reconstruído, com a provável participação do engenheiro militar Francisco de Frias da Mesquita, e recebeu o título de cidade. Como em outras instalações portuguesas, São Luís foi erguida sobre uma colina em uma ilha, posição estratégica para controlar o acesso fluvial ao interior do território. A cidade ganhou um forte de grandes proporções. Seu sistema de defesa foi complementado pela criação de outros pontos fortificados, nas proximidades.

Desde o início, seu traçado obedeceu a um esquema geométrico regular, formado grosseiramente por dois bairros, interrompidos por uma área topograficamente mais acidentada. Entre 1641 e 1644, a cidade foi ocupada pelos holandeses. Desse período existem dois desenhos, que parecem ser os originais, ilustrando a obra de Barlaeus. Há inúmeras cópias deles, com pequenas alterações. Da segunda metade do século XVIII, temos as plantas de São Luís e de Alcântara e um desenho da vila de Itapicuru.


Espírito Santo

A primeira povoação da antiga Capitania do Espírito Santo foi fundada pelo donatário Vasco Fernandes Coutinho em 1535, ano de sua chegada ao Brasil. Denominada Espírito Santo, foi construída junto à praia, nas proximidades do canal de acesso ao interior da baía, em área de difícil defesa. Em 1551, enquanto Espírito Santo era elevada à condição de vila, fundava-se a povoação de Vitória, erguida em um local mais alto e seguro, na outra margem, do mesmo braço de mar. Devido à sua localização estratégica, Vitória foi escolhida como sede do governo da Capitania e a vila do Espírito Santo, por motivos óbvios, passou a ser conhecida como Vila Velha.

Dispomos de dois desenhos de Vitória produzidos por holandeses no século XVII. O mais antigo é o do Reys-boeck, publicado em 1624, mostrando Vitória com um casario mais denso que Vila Velha e indicando o canal como o “rio do Espírito Santo”. O outro desenho é uma estampa de uma das versões do atlas de Vingboons. Embora elaborada por volta de 1660, provavelmente ela corresponde a um período anterior. Isto porque os atlas, como os de Vingboons, aproveitavam informações disponíveis, mas nem sempre muito atualizadas. É bem possível que as informações utilizadas para os desenhos de Vingboons tenham sido recolhidas pelos próprios holandeses, durante ataques militares realizados contra Vitória em março de 1625 e em outubro de 1640. Os desenhos de Vingboons apresentam a sede da Capitania com três igrejas e o que podemos supor fosse uma capela, além das pequenas casas, dispostas ao seu redor. A vila é indicada como Espírito Santo.

Embora as indicações da estampa do Reys-boeck sejam muito esquemáticas e possam ser consideradas como simbólicas, os registros dos outros desenhos, como se verá, guardam estreita relação com as referências básicas da vila, no seu primeiro século de existência.

Temos dois desenhos feitos por José Antonio Caldas, na segunda metade do século XVIII. Um deles, de caráter geográfico, mostra todo o canal de acesso às vilas, com uma planta esquemática de Vitória e outra de Vila Velha. O segundo desenho é um perfil de Vitória, copiado posteriormente muitas vezes pelos alunos da “Academia” e do “Archivo Militar” no Rio de Janeiro. Um terceiro desenho, do mesmo período, é uma planta, levantada por profissional com formação técnica, que julgamos ser de autoria de José Antonio Caldas.

Também produzido no final do século XVIII, dispomos de um desenho preparado por ordem de Luís dos Santos Vilhena, para ser incluído como ilustração do livro “Notícias Soteropolitanas e Brasílicas”, concluído em 1803. A julgar pelas informações disponíveis sobre outros desenhos que ilustram a mesma obra, referentes ao Rio de Janeiro e a Salvador, podemos supor que o trabalho foi copiado de um original com data entre 1775 e 1800. O desenho inclui elevações esquemáticas de Vitória e de Vila Velha. Do início do século XIX temos uma vista da cidade de Vitória, registrada em 1805.

Todos os desenhos produzidos entre o século XVIII e início do XIX mostram que Vitória ocupou praticamente o mesmo sítio original, sobre a elevação em que foi fundada, com poucas áreas urbanizadas junto ao porto e as duas enseadas laterais. Foi o resultado de um período dos dois primeiros séculos e vários donatários, em que a Capitania do Espírito Santo não registrou significativa prosperidade. Recuperada pela Coroa no século XVIII, foi transformada em comarca da Capitania da Bahia. Os desenhos do Período Pombalino (1750-1777) mostram o interesse da administração pelo controle urbanístico das vilas. Um deles apresenta uma vista a vôo de pássaro da povoação de Linhares, típica do período pombalino e das décadas seguintes, com um controle estreito sobre a distribuição da população no território e sobre o traçado das aglomerações em formação.

No início do século XIX, a região do Espírito Santo voltou a constituir uma Capitania e depois província autônoma.


Rio de Janeiro

A iconografia da cidade do Rio de Janeiro e da Baía de Guanabara foi intensamente estudada por ocasião do IV Centenário da fundação da cidade (1967) e nos anos seguintes. Informações sobre um número muito grande de imagens resultaram desse esforço e poucas são as peças inéditas.

Reunimos ao todo nove trabalhos, que nos trazem informações sobre as formas do Rio de Janeiro no final do século XVI e no século XVII. São dois desenhos franceses, dois desenhos e duas estampas de livros holandeses, uma imagem em um atlas manuscrito português e uma estampa de livro francês.

O trabalho de Jacques de Vau de Claye é o mais antigo, mostrando a cidade 12 anos após sua fundação. Segue-se a estampa do livro que descreve a viagem realizada em 1598 por Olivier van Noort, holandês de Utrecht. Ela mostra o perfil da cidade no alto do Morro do Castelo, onde foi fundada em 1567, sem indicações da existência de obras na parte baixa, junto à praia ou mais para dentro. Há uma cópia francesa dessa imagem, não datada.

Dois desenhos holandeses, do início do século XVII, nos permitem observar a cidade começando a ocupar os terrenos junto à praia. A estampa do Reys-boeck, também holandesa, publicada em 1624, 26 anos após a viagem de Noort, já mostra o Rio em nova fase, instalado na planície e com várias quadras densamente ocupadas.

Essa situação já está bem-definida no original de João Teixeira, de 1645, denominado “Demostrasaõ do Rio de Ianeiro”, que faz parte de um atlas. As casas junto à praia são numerosas, cerca de 80. Outras poucas, aproximadamente 7, situam-se no Morro do Castelo. Nas imagens anteriores, as igrejas aparecem como edificações muito simples, com fachadas de frontões e telhados de duas águas. Mas, nesse trabalho de 1645, os conventos (Carmo, São Bento e Colégio dos Jesuítas) são apresentados em proporções maiores.

Curiosamente, o desenho do atlas de Johannes Vingboons, de 1665, nos mostra o Rio de Janeiro em um estágio anterior. Como já foi dito, os editores dos atlas reuniam as informações disponíveis, vindas de diversas origens, sem ter muitas garantias que fossem de produção recente. A imagem do atlas de Vingboons parece ser um exemplo de distorção cronológica, justamente em função da falta de dados sobre a cidade naquela época. O Morro do Castelo é apresentado como um conjunto densamente edificado e o sítio junto à praia apenas com uma faixa estreita. A julgar por esses detalhes, poderia ser contemporâneo ou mesmo anterior ao desenho de 1624.

Todas essas imagens correspondem a formas de registro muito distantes dos padrões atuais de representação. A primeira imagem com técnicas semelhantes às de nossos dias é a estampa “St. Sebastien”, com uma vista do Rio de Janeiro, que ilustra o livro de Froger, elaborado em 1695, durante uma viagem à África e à América do Sul. Mostra a cidade densamente construída junto à praia e o Morro do Castelo quase deserto. A Sé e os principais conventos, já com torres, são apresentados de forma imponente, revelando uma nova etapa na vida do Rio de Janeiro. No final do século XVII, com a descoberta de ouro na região do atual estado de Minas Gerais, o Porto do Rio de Janeiro adquiriu maior importância. Em 1704 foi concluída a abertura do chamado “caminho novo”, que ligava diretamente o território das Minas ao Rio.

No início do século XVIII, uma situação de conflito na Europa justificou dois ataques importantes à cidade do Rio de Janeiro: um em 1710 (invasão de Du Clerc) e outro em 1711 (invasão de Duguay-Trouin). Este último é descrito em várias estampas, os documentos mais antigos do século XVIII. Trazem sempre uma planta esquemática da cidade, mostrando um arruamento mais ou menos ordenado junto à praia e outro mais desordenado ao redor da Misericórdia e ao pé do Colégio dos Jesuítas.

Um desenho de 1712, de autoria do engenheiro militar João Massé, que planejou a fortificação da cidade depois do ataque de Trouin, é a primeira planta da cidade em escala, mostrando todas as quadras junto à praia. O Rio de Janeiro, transformado em principal porto de escoamento do ouro, cerca de 20 anos após o descobrimento das minas, já se mostrava uma cidade importante, com mais de 60 quadras de dimensões heterogêneas.

Outro desenho, de 1714, também atribuído a Massé, indica de modo mais claro as áreas construídas e o sistema defensivo, com destaque para o grande muro existente nos fundos da cidade, entre os morros do Castelo e de São Bento, que se conservaria em uso até meados do século. Dos anos seguintes, há dois desenhos franceses de fidelidade discutível.

Da segunda metade do século, dispomos de um conjunto de imagens bem mais significativo. A planta elaborada por André Vaz Figueira é de 1750. Naquele ano, em função do Tratado de Madri, chegou ao Brasil a Comissão de Demarcação, trazendo um grande número de engenheiros militares de alto nível, que realizaram trabalhos importantes durante todo o período da administração Pombalina (1750-1777). Entre 1733 e 1763, durante a administração de Gomes Freire de Andrade, foram realizadas diversas obras para melhorar a cidade. As mais importantes são do engenheiro militar José Fernandes Pinto Alpoim, autor também do projeto da Casa dos Governadores.

Em 1763, a sede do governo colonial foi transferida de Salvador para o Rio de Janeiro, que passou a receber atenções especiais, por parte dos Vice-Reis. Um novo levantamento da planta da cidade foi feito em 1767. O trabalho teria servido de base para os estudos de fortificação realizados nos anos seguintes. Vários planos para aperfeiçoamento do sistema defensivo são de 1769. Eles foram registrados em desenhos de importantes engenheiros militares, que participaram de uma forma simplificada de concurso promovido pelo Vice-Rei, Marquês do Lavradio, cuja administração se estendeu de 1769 a 1779.

Da segunda metade do século XVIII, existem quatro vistas da cidade. A primeira, elaborada por Miguel Angelo Blasco, de 1760. A segunda, de 1775, foi incluída por Vilhena em suas “Notícias Soteropolitanas e Brasílicas” (VILHENA – 1803-1922), cujo original se encontra na Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro. Junto a essa última, encontra-se também uma planta da cidade. Do acervo da Casa da Índia, contamos com duas vistas: uma semelhante à de Blasco e outra, esquemática, tomada do Outeiro da Glória.

Do final do século XVIII e do início do século XIX, dispomos ainda de uma planta do Rio de Janeiro (levantamento promovido por D. João VI) e plantas de algumas povoações de menor porte do interior e do litoral da Capitania do Rio de Janeiro. Elas revelam o empenho da administração no controle do processo de urbanização.


São Paulo

A primeira vila fundada no Brasil, São Vicente, foi criada em 1532, por Martim Afonso de Souza. Com o sistema de capitanias hereditárias, outras povoações surgiram em diversas regiões do Brasil. Na Capitania de São Vicente, foram Santos (1545), São Paulo (1554), Itanhaém (1561) e Cananéia (1600). No século XVII, foram onze vilas no território paulista, das quais oito no planalto e três no litoral.

No século XVIII, com a descoberta de ouro na região, abriu-se espaço para a participação de um número significativo de engenheiros portugueses ou profissionais de outros países, a serviço de Portugal. Sua missão era realizar levantamentos, projetos e executar obras, para aperfeiçoamento das povoações e de seus sistemas defensivos, como o plano do Brigadeiro João Massé para Santos.

O impulso mais significativo ocorreu a partir da segunda metade do século, estendendo-se até a Independência (1822). Entre 1705 e 1798, 18 vilas foram fundadas no território que então se tornou a Capitania de São Paulo, além de outras três, na região do atual estado do Paraná. Em 1711, a vila de São Paulo foi elevada à categoria de cidade, tornando-se sede da Capitania. Mas a grande expansão das atividades de mineração em outras regiões terminou por levar ao despovoamento e à estagnação da Capitania, que foi extinta pelo governo português e depois reativada em 1765, sob a administração de Morgado de Mateus.

Datam desse período importantes conjuntos de imagens sobre as vilas paulistas, com destaque especial para a administração do Morgado (1765-1775) e para a de Bernardo de Lorena (1788-1797). Os quadros técnicos transferidos para o Brasil, a partir do Tratado de Madri (1750), permitiram uma atuação sistemática, intensificada a partir de 1765 e estendida até 1822. Os desenhos elaborados nesse período referem-se sobretudo às vilas do litoral, em especial a Santos.

Outros desenhos, feitos com objetivos militares, nos informam sobre vilas, povoações e aldeias existentes no Vale do Tietê, que permitia a ligação fluvial com Cuiabá. É o caso dos desenhos deixados por José Custódio de Sá e Faria, referentes às aldeias de Barueri, Arassariguama, às vilas de Itu e Porto Feliz, então freguesia de Araritaguaba. Nessa série estão incluídas algumas imagens da cidade de São Paulo, todas elas com problemas de interpretação, exigindo uma discussão mais detalhada, que deixaremos para um futuro próximo.

Dos primeiros anos do século XX, conhecemos uma planta de São Paulo, levantada em 1810, por Rufino José Felizardo e Costa. O original, que pertencia ao Instituto Histórico e Geográfico de São Paulo, desapareceu. Uma cópia foi publicada em 1954. Outra versão do mesmo desenho foi preparada em 1842, incluindo as fachadas dos principais edifícios da cidade. Mas não incluímos essas imagens, por se tratar de cópias.

Do planalto, temos uma série preciosa de desenhos, deixada por um viajante ilustre, Arnaud Julien Pallière, que percorreu o Vale do Paraíba, entre Rio e São Paulo, às vesperas da Independência. Merecem destaque especial as duas excelentes vistas de São Paulo, a partir da várzea do Tamanduateí.


Minas Gerais

Os primeiros descobrimentos de ouro, na região que hoje corresponde ao estado de Minas Gerais, tornaram-se conhecidos em 1693, provocando rápido povoamento desse território nos anos seguintes. Os arraiais construídos de início pelos mineradores eram de pequeno porte e sempre precários, com arruamentos irregulares. Apresentamos três desenhos de arraiais, datados de 1732.

Vila Rica, hoje Ouro Preto, a principal aglomeração urbana de Minas Gerais, foi formada com a união de dois arraiais vizinhos: Ouro Preto (dos portugueses) e Antonio Dias (dos paulistas). Construída entre os dois núcleos já existentes, a área central de Vila Rica mostrava já uma disciplina urbanística, como podemos notar na planta aqui incluída.

Dois desenhos registram o urbanismo de Mariana, depois da reforma projetada por Alpoim, por volta de 1747. Mariana foi elevada à categoria de cidade em 1745, ao se tornar sede de bispado. Apresentamos também uma planta de Diamantina (Arraial do Tejuco), uma vista do Serro Frio, já datada do início do século XIX, além de uma vista esquemática da vila de Paracatu.

O fato de estar afastada do litoral fez com que a região de Minas Gerais não fosse objeto de uma ação militar de maior envergadura, que justificasse a realização de levantamentos e a elaboração de projetos de maior fôlego. Mesmo assim, Minas registra algumas obras arquitetônicas de caráter militar, como os quartéis e a residência dos governadores em Ouro Preto e os quartéis de Mariana.


Paraná

O território do atual estado do Paraná pertenceu à Capitania e depois Província de São Paulo até meados do século XIX, estando sua população de início subordinada à comarca de Itu. Por causa das dúvidas e conflitos gerados pelo Tratado de Tordesilhas quanto à posse de suas terras, a colonização foi muito lenta. Na primeira metade do século XVII, as várias missões jesuíticas fundadas pelos religiosos espanhóis, na parte oeste do território, foram destruídas pelos escravizadores de índios que vinham de São Paulo, de Santos e do Vale do Paraíba. Essa região permaneceu desabitada até o início do século XVIII.

No período da União das Coroas de Portugal e Espanha (1580-1640), o povoamento avançou ao longo da faixa do litoral, com o registro de alguma atividade mineradora na região de Paranaguá. Mas, a povoação de Paranaguá só surgiu em 1648, com uma descoberta mais significativa de ouro por Gabriel de Lara, que atraiu colonizadores para o local. Paranaguá foi elevada à vila em 1653, quando se instalou no lugar uma casa de fundição para cobrança dos tributos da Coroa Portuguesa. Desse período é o desenho mais antigo que apresentamos, com a baía e a vila de Paranaguá.

Ainda no século XVII, o povoamento avançou em direção ao sul, com a fundação da vila de São Francisco do Sul (1660), já em território do atual estado de Santa Catarina, e da Colônia do Sacramento, em 1680. Localizada no planalto, a povoação de Curitiba foi elevada à categoria de vila em 1693. No século XVIII foram fundadas três vilas, sendo duas delas no litoral – Guaratuba (1771) e Antonina (1797) – e outra no planalto – Castro (1798). Tanto do final do século XVII como do XVIII dispomos apenas de cartas geográficas, úteis para a navegação ou para objetivos militares, mas sem qualquer representação conhecida das vilas locais e de sua aparência.

No início do século XIX, com a transferência da Família Real para o Rio de Janeiro, iniciou-se um trabalho sistemático de levantamento de toda a costa e de seus portos, que incluía desenhos de alta qualidade mais tarde publicados na Inglaterra (SÃO PAULO – 212) e recopiados, com poucas alterações, no Arquivo Militar no Rio de Janeiro, em 1819-1820 e em 1849. O levantamento realizado na Capitania de São Paulo, que abrangia também a costa do atual estado do Paraná, foi atribuído ao Capitão João da Costa Ferreira. Entre esses desenhos, encontramos uma planta de Paranaguá e outra de Guaratuba.


Santa Catarina

O povoamento de Santa Catarina foi iniciado em 1660, com a criação da Vila de São Francisco do Sul, no limite norte do território do atual estado. A ocupação da região central, na Ilha de Santa Catarina e no trecho fronteiro ao canal, ocorreu pouco depois, provavelmente por iniciativa do paulista Francisco Dias Velho. Há notícias de sua passagem pela região em 1662, onde permaneceu entre 1675 e 1678, tendo depois solicitado sesmarias na ilha, declarando que “já tinha Igreja N. Sra. do Desterro” (CABRAL – 1971, págs. 11-12). Essas informações coincidem com a iniciativa de Salvador Correa de Sá e Benavides, então Governador da Repartição do Sul do Governo do Brasil, que requereu a concessão de uma nova Capitania (de Santa Catarina) com 300 léguas de extensão, partindo do sul de Paranaguá, em direção ao Rio da Prata.

No início do século XVIII, umas poucas dezenas de famílias já se reuniam ao redor da antiga capela de Nossa Senhora do Desterro, na área que seria depois ocupada pela vila, que recebeu o mesmo nome da igreja. Segundo Taunay (TAUNAY – 1938, pág. 45), viviam no local 147 moradores portugueses por volta de 1712. Data dessa mesma época a fundação da vila de Laguna, mais ao sul, criada oficialmente em 1714. A fundação da vila de Nossa Senhora do Desterro (atual Florianópolis) ocorreu em 1726, por ato do Ouvidor de Paranaguá, Antonio Alves Lanhas Peixoto.

A região recebeu um impulso especial em 1738, com a nomeação do brigadeiro José da Silva Paes para Comandante e depois Governador da nova Capitania de Santa Catarina. Com alguns intervalos, Silva Paes permaneceu à frente do governo por cerca de 10 anos. Nesse período, o brigadeiro – com exercício de engenheiro e profissional competente formado pela Aula de Arquitetura Militar de Lisboa – projetou e iniciou as obras da igreja Matriz, da Casa do Governo e de quatro fortalezas, nas quais instalou um contingente militar. Transferido de Santos, esse contingente originou mais tarde um batalhão e, posteriormente, o Regimento de Infantaria de Linha da Ilha de Santa Catarina (CABRAL – 1971, págs. 18-19). Também sob comando do brigadeiro José da Silva Paes foi realizado o programa de imigração de famílias dos Açores e da Madeira, para a colonização da Capitania. Apesar de sua transferência, foi com base nos critérios que ele havia estabelecido que, entre 1748 e 1756, chegaram cerca de 5 000 imigrantes povoadores (CABRAL – 1971, pág. 19).

Outra característica regional foi a construção de fortificações de grande porte, com guarnições permanentes. O objetivo era responder aos constantes enfrentamentos militares registrados entre as áreas de colonização portuguesa e hispânica, nos territórios disputados pelas duas Coroas, ao sul de Paranaguá, a partir da fundação da Colônia do Sacramento, em 1680. Devido à importância dessas fortificações, como obras de maior porte e como foco de atração de núcleos permanentes de população, incluímos como parte da documentação arquitetônica da Capitania a fortaleza de Sta. Cruz de Anhatomirim. Apresentamos também um desenho referente à vila de Nossa Senhora do Desterro, um conjunto significativo de documentos sobre a fortificação de Sta. Cruz de Anhatomirim, além de um único desenho sobre a vila de Lages, uma vez que a documentação correspondente às outras duas vilas, São Francisco e Laguna, são de épocas posteriores à Proclamação da Independência.

Os principais projetos realizados na Capitania de Santa Catarina são de autoria de dois importantes engenheiros militares formados pela Aula de Arquitetura Militar de Lisboa: José da Silva Paes e José Custódio de Sá e Faria. Silva Paes, como já citamos, realizou importantes trabalhos em Portugal, antes de ser transferido para o Brasil. Em 1737 já assinava um levantamento topográfico da costa, referente ao trecho entre a Barra do Rio Grande e a Lagoa Mirim, como mostram documentos existentes no Arquivo Militar do Rio de Janeiro. A partir de 1738, serviu em Santa Catarina como “Comandante da Ilha” (1747) e Governador da Capitania (1749). O engenheiro Sá e Faria chegou como membro da Comissão de Demarcação dos Limites, nos termos do Tratado de Madri, de 1750. A Biblioteca Municipal Mário de Andrade, em São Paulo, guarda em um álbum datado de 1773 uma série de desenhos de sua autoria. Estes correspondem a “demonstrações das fortalezas” (levantamentos, em linguagem da época) que podem ter sido realizados a partir de 1760, quando Sá e Faria chegou a Santa Catarina pela primeira vez.


Rio Grande do Sul

O território do atual estado do Rio Grande do Sul começou a ser ocupado pelos portugueses em 1737, com a fundação da vila de Rio Grande de S. Pedro, pelo então capitão José da Silva Paes. As primeiras tentativas de povoar a região entre Paranaguá e Colônia do Sacramento remontam aos anos imediatamente posteriores a 1722, quando da devolução dessa praça fortificada ao governo português.

O avanço para o Sul havia sido iniciado em 1680, com a criação da Colônia do Sacramento, e prosseguiu em 1688, com a fundação de Laguna, no sul do atual estado de Santa Catarina. O processo se interrompeu entre 1705 e 1716, com o domínio espanhol sobre a Colônia, sendo retomado em seguida, com novo ímpeto. O objetivo era abrir caminhos por terra, ligando o Rio de Janeiro à Colônia, sem os riscos e as dificuldades inerentes aos deslocamentos de tropas em embarcações.

As tentativas de ligação por terra de Curitiba a São Paulo foram iniciadas entre 1728 e 1730, com uma expedição comandada pelo sargento-mor Francisco de Souza e Faria. Partindo de um local perto de Araranguá, ele conseguiu atingir Curitiba. Antes disso, em 1631, o coronel Cristovão Pereira de Abreu, criador de gado na região, percorreu e consolidou uma picada do sul a Curitiba, transportando 3 500 cabeças de animais. Ao atingir Curitiba, Abreu estabeleceu um elo permanente entre os campos do Viamão e as regiões de São Paulo, Rio de Janeiro e Minas Gerais.

Em 1636, Silva Paes partiu do Rio de Janeiro em missão militar, decidida pelo Governador Gomes Freire de Andrade, para oferecer apoio à Colônia do Sacramento, que havia sido sitiada pelos espanhóis, e tentar a recuperação de Montevidéu. A seguir, dirigiu-se ao canal de acesso à Lagoa dos Patos, estabelecendo seu sistema defensivo com os baluartes da nova vila de Rio Grande de São Pedro e, mais acima, junto ao Rio Pardo, fundando o “presídio” (povoação fortificada), de Jesus-Maria-José.

Em 1760, o Marquês de Pombal decidiu criar a Capitania do Rio Grande de São Pedro, subordinada à do Rio de Janeiro. Entre 1762 e 1777, a vila do Rio Grande foi ocupada pelos espanhóis. Mas a Capitania, que compreendia a faixa litorânea, permaneceu em poder dos portugueses, tendo se desenvolvido o chamado Porto dos Casais, hoje a cidade de Porto Alegre. Mais para o interior, a povoação do Rio Pardo definia o limite das terras portuguesas, na faixa de confronto com os castelhanos.

Pelo Tratado de 1750, as terras correspondentes aos chamados “Sete Povos das Missões” deveriam ser transferidas aos portugueses. Era uma compensação pela posse da Colônia do Sacramento pelos espanhóis. Durante a chamada Guerra Guaranítica, os indígenas resistiram à transferência, impedindo a cessão do território. Os desenhos que reunimos mostram os esforços portugueses para consolidação de seus esquemas de povoação no Sul, ao longo de todo esse período. Com exceção de um, cujo autor não foi identificado, os demais são trabalhos de profissionais que haviam recebido formação sistemática nas Aulas de Arquitetura Militar.


Goiás

As primeiras notícias de descoberta de ouro na região de Goiás chegaram a São Paulo em outubro de 1725, com o retorno de Bartolomeu Bueno e os participantes de sua bandeira, após três anos percorrendo a região. Apenas um ano depois, em 1726, eram fundados os primeiros arraiais em Goiás, entre eles o de Santa Ana, atual cidade de Goiás. Santa Ana, que passou a se chamar Vila Boa – denominação dada em 1736 pelo Conde de Sarzedas, em homenagem a Bueno, seu fundador -, foi a sede do governo da Capitania, depois província e estado de Goiás até 1936. Apresentamos uma planta e uma vista magnífica de Vila Boa. O original se encontra na Biblioteca Mário de Andrade, em São Paulo e, pelo que sabemos, era até agora inédito.

Durante a administração do Marquês de Pombal (1750-1777), houve intensa atividade urbanizadora nas regiões de fronteira, correspondentes aos atuais estados de Mato Grosso e Mato Grosso do Sul. Goiás só conheceu um período de urbanização semelhante depois de 1777, quando foram criadas aldeias para abrigar algumas das principais tribos da região, sob administração leiga, com obras e projetos orientados por engenheiros militares.

Estabelecidos durante a administração pombalina, os padrões urbanos apresentavam traçado retilíneo. As aldeias de Mossâmedes, Maria e de Santa Ana foram construídas de acordo com esses padrões urbanos e estão registradas em desenhos da época, aqui incluídos.

A maioria dos autores se refere a esse tipo de urbanismo como correspondendo apenas ao período pombalino. Mas os desenhos aqui reunidos evidenciam a continuidade das diretrizes políticas e dos critérios urbanísticos da época de Pombal, durante as administrações seguintes. Essa influência fica muito clara ao se observar o esforço para recuperação e conservação das obras da Aldeia de Mossâmedes, comprovado em vários desenhos de 1801, especialmente a série existente na Biblioteca Municipal Mário de Andrade, em São Paulo.


Mato Grosso do Sul

Com a Constituição de 1988, o antigo estado do Mato Grosso foi dividido. Nascia assim uma nova unidade independente, o estado do Mato Grosso do Sul. A região começou a ser ocupada após a descoberta das minas de Cuiabá e, a partir dessa época, com base em instalações militares e núcleos de povoamento oficial, criados para proteger os acessos fluviais às áreas de mineração. Esse movimento intensificou-se a partir dos tratados de demarcação de limites com a América espanhola: o de Madri, em 1750, e o de Santo Ildefonso, em 1777.

Em função das atividades de demarcação, a região passou a contar com quadros técnicos de alto nível, responsáveis pela elaboração dos planos e construção de suas vilas, edifícios e fortificações, a exemplo do que já havia acontecido na antiga Capitania de Mato Grosso. Trabalharam na área engenheiros militares que se tornaram famosos por suas realizações profissionais, como os portugueses José Custódio de Sá e Faria e Ricardo Franco de Almeida Serra, além dos brasileiros Francisco José de Lacerda e Almeida, paulista, e Antonio Pires da Silva Pontes, mineiro, os dois últimos formados em Coimbra.

Sá e Faria fazia parte da equipe enviada para o Brasil para apoiar as atividades de demarcação, decorrentes do Tratado de Madri (1750). Serviu no Rio de Janeiro, no Rio Grande do Sul, em Santa Catarina e em São Paulo. Atuou na região sul da Capitania de Mato Grosso, criando o esquema de defesa da Praça de Iguatemi, por designação do governador da Capitania de São Paulo, Luís Antonio Botelho de Sousa Mourão, Morgado de Mateus. Outros comentários referentes às atividades de Sá e Faria são encontrados nos textos referentes aos estados de Rio de Janeiro, São Paulo, Santa Catarina e Rio Grande do Sul.

Ricardo Franco, nascido no Porto em 1748, foi designado para servir no Brasil como participante da Comissão de Demarcação do Tratado de Santo Ildefonso (1777). Atuou na Amazônia e em diversas áreas da Capitania de Mato Grosso. Na região do atual estado de Mato Grosso do Sul, projetou a vila de Albuquerque, hoje a cidade de Corumbá, e dirigiu a reconstrução do Forte de Coimbra (FURTADO – 1960).


Mato Grosso

As primeiras descobertas de ouro no rio Cuiabá foram feitas pela bandeira de Pascoal Moreira Cabral, em 1719. Como não poderia deixar de acontecer, a nova área de mineração atraiu mineradores de outras regiões e, aos poucos, a primeira povoação, que seria depois a vila de Bom Jesus, começou a tomar forma. Em 1726, o governador da Capitania de São Paulo, Rodrigo Cesar de Menezes, visitou o lugarejo, elevado à categoria de vila, um ano depois, com a denominação de Vila Real do Senhor Bom Jesus de Cuiabá.

Em 1748, foi criada a Capitania de Mato Grosso e Cuiabá. Seu primeiro governador, Antonio Rolim de Moura, só chegou a Cuiabá em 1751, permanecendo no cargo até 1764. Em 1752, atendendo às ordens de Lisboa, Rolim de Moura deslocou-se para a região do Rio Guaporé, a noroeste de Cuiabá, conhecida como Mato Grosso, onde fundou a Vila Bela da Santíssima Trindade, para onde foi transferida a sede do governo da Capitania. Em 1820, quando se criou a Província de Mato Grosso, a sede foi novamente instalada em Cuiabá.

O projeto de Vila Bela é um exemplo dos cuidados urbanísticos com que foram traçadas as plantas das novas aglomerações durante o Período Pombalino. Essa preocupação fica evidente pela regularidade geométrica de alguns dos planos das aldeias e das vilas. Esses planos contrastam com os traçados irregulares dos primeiros arraiais.


Pará

O povoamento do atual estado do Pará foi iniciado em 1616 com a fundação da cidade de Santa Maria de Belém, pouco depois da fundação de São Luís (1612), na capitania vizinha do Maranhão. Com as duas cidades, os portugueses garantiram o domínio da costa norte do Brasil. No caso de Belém, puderam controlar, também, a entrada do rio Amazonas.

Em seguida, foi criado o estado do Maranhão e Grão Pará, como entidade política independente do governo do Brasil. De início, a sede foi estabelecida em São Luís. Mas, em 1671, o governador Pedro Cesar de Menezes decidiu fixar residência em Belém (ARAÚJO – 1998). Dessa época foi possível localizar um desenho, no Algemeen Rijksarchief de Haia, mostrando a cidade por volta de 1640. Trata-se de uma vista a vôo de pássaro, que nos dá idéia não só do traçado, como da aparência de Belém e das proporções de seus principais edifícios. É um documento precioso, porque as imagens mais antigas, que se conhecia até agora, eram duas plantas, de 1751 e 1753.

Ao assumir o controle do governo de Portugal, durante o reinado de D. José I, em meados do século XVIII, o Marquês de Pombal deu destaque especial à área da Amazônia, reconstituindo um governo específico da região: o estado do Grão-Pará e Maranhão. A partir dessa época, a cidade de Belém passou a ter maior importância, transformando-se na sede do governo.

Durante as negociações do Tratado de Limites, que definiria as fronteiras do Brasil com as colônias espanholas, Pombal adotou a estratégia de estimular a navegação pelos rios Madeira e Mamoré, que se transformaram em novas vias de acesso para a região do norte da Capitania de Mato Grosso. A sede estava situada às margens do Guaporé, na Vila Bela da Santíssima Trindade. A ocupação se completou com a construção do forte de Nossa Senhora da Conceição (depois de Bragança) e do forte do Príncipe da Beira, no território do atual estado de Rondônia.

O comércio entre as duas regiões passou a ser feito obrigatoriamente por essas vias fluviais, incluindo o contrabando com a América espanhola, estimulado oficialmente naquela fase. Para assegurar um programa adequado de desenvolvimento para a região, Pombal criou a Companhia de Comércio do Grão-Pará e Maranhão, instalada em Belém, que deu nova dimensão às atividades econômicas na área.

As outras imagens de que dispomos são todas dessa fase, a começar em 1751, com a “PLANTA DA PRAÇA DA CIDADE DE BELÉM”, cujo objetivo era permitir a escolha de áreas para a construção de alguns dos novos edifícios propostos pelo governo português.

Com a chegada dos engenheiros militares, encarregados de realizar as medições e registros correspondentes ao Tratado de Limites com a América espanhola (Tratado de Madri, 1750), a cidade passou a contar com profissionais de um padrão mais elevado.

Eles não só projetaram e construíram seus principais edifícios, como registraram em planta os planos urbanísticos e o desenvolvimento da cidade. Alguns desenhos do mesmo período mostram a reforma de antigas povoações para lhes conferir novas características, mais próximas dos padrões urbanísticos europeus, com regularidade de traçado e controle da aparência das edificações.

Provavelmente a ação urbanizadora e urbanística era muito extensa, como mostram desenhos do século XIX, posteriores à Independência, apresentando sempre traçados regulares, mesmo nas menores povoações. Dessas incluímos apenas três desenhos significativos, referentes às vilas de Bragança e Ourém e à Povoação de Alcobaça. Como se pode notar, a preocupação com a europeização não se limitava ao estabelecimento de padrões formais urbanísticos. Estendeu-se, inclusive, à nomenclatura das povoações e de suas ruas, que deveriam necessariamente repetir as de vilas e cidades de Portugal, abolindo as antigas denominações indígenas.


Amapá

Uma fortificação construída por volta de 1668 deu origem à vila de São José do Macapá, hoje cidade de Macapá, capital do estado do Amapá – que até recentemente fez parte do território do Pará. Em 1751, início da administração do Marquês de Pombal, a área foi povoada com colonos vindos dos Açores e da Ilha da Madeira, totalizando três mil pessoas. Em 1758, a povoação de São José do Macapá foi elevada à categoria de vila.

Durante a administração do governador do estado do Grão-Pará, Maranhão e Piauí, Fernando da Costa Atayde Teyve, o capitão-engenheiro Enrico Antonio Galluzzi fez um levantamento do local, elaborou o projeto de construção de uma praça-forte e dirigiu as obras da fortaleza, vindo a falecer no local, em outubro de 1769.

As imagens a seguir mostram a povoação de São José do Macapá e a praça fortificada projetada por Galluzzi. O projeto completo da fortaleza, já em obras, é registrado por um outro desenho, datado de 1765. Como bem observou Delson, essa série de desenhos e os documentos escritos disponíveis da época permitem acompanhar o progresso das obras, ano a ano, mostrando o profundo empenho do Governo de Pombal na execução do projeto de construção da fortaleza e no povoamento da região (DELSON – 1997).


Roraima

O território do atual estado de Roraima foi desmembrado do estado de Amazonas, no final do século XX. A Amazônia foi ocupada por missões de diversas ordens religiosas no século XVII, a partir da fundação de Belém, em 1616. Na segunda metade do século XVIII, durante a administração do marquês de Pombal, foi definida uma nova política para a região, visando a consolidação de sua posse, no quadro dos tratados de acertos de limites com a coroa da Espanha (Tratados de Madri – 1750 e de Santo Ildefonso – 1777).

Nessa época, muitas aldeias foram transformadas em vilas e o sistema de defesa foi reforçado, com a construção de novos fortes e reformas dos antigos. É o caso do forte de São Joaquim do Rio Branco, baluarte português no extremo norte, que assegurou a posse da região. É o único desenho que encontramos referente à área, no período Colonial.


Rondônia

A área do atual estado de Rondônia foi desmembrada do estado de Mato Grosso, primeiro como território federal de Guaporé, depois com o nome de Rondônia, em homenagem ao grande indigenista, general Cândido Rondon.

No período colonial, pertencia à Capitania de Mato Grosso, subordinando-se à vila Bela da Santíssima Trindade, que foi sede do governo da Capitania, entre 1762 e 1810.

A região do Guaporé, hoje Rondônia, teve sua ocupação ampliada durante a administração de Pombal. A intenção era estabelecer algumas bases avançadas em território da América Espanhola, com vistas ao primeiro tratado de limites (Madri – 1750), e, ao mesmo tempo, consolidar um acesso alternativo àquelas áreas de mineração.

Foram criados os Fortes da Conceição (depois de Bragança) e Príncipe da Beira, na região do Guaporé, que permitiram uma ligação direta com a Amazônia e uma linha de acesso por Belém. Esses fortes receberam guarnições numerosas, à semelhança de pequenas cidades fortificadas e, com suas posições estratégicas, demarcam hoje os limites do Brasil Ocidental.

Dispomos de uma documentação detalhada sobre a Praça Forte de Conceição (Bragança) e sobretudo sobre o Forte Príncipe da Beira. A construção deles foi acompanhada passo a passo pelo governo português, como demonstram desenhos existentes no Arquivo Histórico do Exército no Rio de Janeiro. Temos também uma planta da Povoação de Balsemão e notícias sobre os povoados de Palmela, Lionil e Lamel, criados durante a administração de Luís Pinto de Sousa Coutinho (1768-1772), dos quais não possuímos registro gráfico.


Amazonas

A região amazônica recebeu atenção especial durante a administração do Marquês de Pombal (1750-1777), que nomeou seu irmão, Francisco Xavier Furtado de Mendonça, governador do Estado do Grão-Pará e Maranhão.

Após a fundação da Companhia Geral de Comércio do Grão-Pará e Maranhão, em 1755, decidiu-se criar a Capitania de São José do Rio Negro, que deu origem ao atual estado do Amazonas.

Para sediar o governo da nova Capitania foi escolhida a aldeia indígena de Mariaui, que aparece em alguns documentos com o nome de Mariva. Construída junto à confluência do rio Negro com o rio Amazonas, a localização estratégica da nova vila também possibilitava maior controle sobre as aldeias indígenas das vizinhanças. Atual cidade de Barcelos, a aldeia Mariaui foi urbanizada com casas de madeira, que já em 1759 estavam em ruínas. O novo plano de reurbanização foi elaborado pelo engenheiro Felipe Sturm, na época integrante da comissão demarcatória dos limites estabelecida pelo Tratado de Madri (1750). O traçado urbano desenhado por Sturm obedecia às diretrizes de regularidade, que se tornaram comuns na segunda metade do século XVIII. Esses dois projetos urbanísticos iniciais da vila de Barcelos estão registrados nos desenhos de que dispomos sobre a região amazônica no século XVIII. Os outros documentos disponíveis correspondem a levantamentos das aldeias e fortificações. Alguns anos após a Independência do Brasil, a vila de Barcelos foi substituída por Manaus, como sede da então Província do Amazonas.

Nestor Goulart Reis

 

 

Visitas de estudantes:

Colégio Monteiro Lobato – 1ºano – Ensino Médio

Pedagogia – UVA – Turma NC

Arquitetura – UFC

 

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