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Museu de Arte da UFC – Mauc

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Exposição 1963.08 – Gravuras Japonesas – 12/1963

(Transcrito do Catálogo)

O Museu de Arte da Universidade do Ceará apresenta hoje uma coleção de gravuras japonesas do seu acervo e adquiridas no Departamento de Atividades Culturais da U. N. E. S. C. O.

Esta exposição é a única, não só no que diz respeito à qualidade das peças como em relação à amplitude — 200 anos — do período abrangido. Os mais hábeis artistas do Japão moderno foram encarregados pela U. N. E. S. C. O. de preparar as placas das quais sairam as reproduções expostas. À palavra “reprodução”, neste caso, deve-se acrescentar algumas explicações. Existem diferenças fundamentais entre estas gravuras e a reprodução de quadros ou desenhos famosos. Não é justo pois denominá-las reproduções, verdadeiras gravuras originais que são, cortadas por artistas japoneses de hoje, sobre o traçado dos mestres do passado e impressas seguindo os mesmos processos tradicionais utilizados desde o começo da escola Ukiyo-e, no século XVII.

As cem gravuras apresentadas, selecionadas por uma comissão especial da U. N. E. S. C. O., deram a conhecer ao público de diferentes partes do mundo uma das formas mais significativas da arte japonesa de todos os tempos.

Livio Xavier Júnior
Diretor


As gravuras japonesas em madeira são dignas de estudo e agradam facilmente porque resultam de um trabalho de alta qualidade técnica e extraordinária virtuosidade no desenho. Seus temas são primordialmente os de interesse universal: a paixão pelo drama, as emoções humanas (o amor, a maternidade), a poesia das ocupações diárias, as paisagens e as roupagens suntuosas usadas com dignidade e graça. Entre as artes gráficas do Extremo Oriente, constituem as gravuras o gênero mais acessível para iniciar o leigo numa das maiores artes do mundo.

Há, na China e Japão, um extenso período de prática e aperfeiçoamento da gravura, culminando com maravilhas de execução técnica. Na era clássica da dinastia Tang (620-918) gravuras em madeira foram usadas na impressão de imagens budistas; algumas dessas veneráveis se bem que efêmeras obras de arte chegaram aos nossos dias. Antes de terminar a dinastia Yuan (1368) imprimiram-se textos budistas “caligrafados”, com impressões a duas cores; mas foi somente no final da dinastia Ming, no início do século XVII, que os bibliófilos chineses aperfeiçoaram a impressão de gravuras sobre papel fino, usando cinco tintas e cinco chapas diferentes; suas imprensas entretanto trabalhavam para um público muito restrito e sobre temas tão limitados que só interessavam uma sociedade refinada, acadêmica e em decadência. Quando a Manchuria depôs a dinastia dos Ming, os componentes do governo se refugiaram; alguns foram para o Japão, em 1683 e 1684, levando consigo exemplares dessas ilustrações em cores e, sobretudo, a técnica de obtê-las. O governo japonês da época era favorável à filosofia chinesa ortodoxa do confucionismo, calcada na ordem e reverência; os livros eram suspeitos, já que poderiam conter alusões ao cristianismo, cujo completo banimento do Japão fora decretado em 1638. Naquele tempo, as relações com a China eram a única abertura na hermética economia japonesa; mesmo assim havia restrições. Aos holandeses era permitido comerciar, partindo de uma feitoria em Nagaski, mas o seu contacto com os naturais se restringia ao mínimo permitido. No século XVII melhorou a qualidade da imprensa japonesa, difundido-se também a educação, fruto da política do refreamento do espírito guerreiro dos samurais, tão estimulado durante o período das guerras civis, nos séculos XV XVI. Até 1670 os ofícios de gravador e impressor se aperfeiçoaram tanto que lhes foi possível até copiar a fina gradação de tons de antigas gravuras chinesas.

No entanto, a impressão em cores só foi usada no século seguinte e desenvolveu-se totalmente a partir de 1764. Por esse tempo, um grupo de gravadores de Yedo, nova sede do governo, obteve suficiente auxilio para financiamento deste comércio, extremamente especializado. Muita atenção se deu à qualidade do papel, que devia ser forte, liso e absorvente. Fora aperfeiçoado um sistema de reprodução na madeira das pinceladas da pintura oriental. Partindo daí, o impressor concebeu um processo de marcar, atingindo a perfeição do registro, o que permitiu a sobreposição de cinco chapas, e até mesmo de oito, para uma só ilustração; descobriu que sete pigmentos puros (três tonalidades de terra, dois azuis vegetais e dois amarelos), sobre-impressos, davam uma bela gama de cores lisas; aprendeu a dar relevo ao papel, partindo da pressão duma placa a seco, artifício que produziu surpreendentes efeitos na reprodução dos vestidos brancos, da neve e da água; além do mais, dispunha o impressor de várias matizes de ouro e de uma coloração escura, derivada da laca, aplicável diretamente na gravura. Todos estes progressos técnicos só foram obtidos graças à tradicional habilidade artesanal dos japoneses, transmitida por aprendizagem, pelo dom nativo do desenho e pelo senso de especialização da mão de obra. O desenvolvimento técnico e o trabalho artístico alcançaram seu auge no último quartel do século XVIII, quando — segundo se diz — se utilizavam até mesmo dezoito chapas para produzir uma ilustração em cor, e quando o emprego do ouro, prata e mica abriu novas possibilidades à arte da imprensa.

Não é preciso estender-se muito sobre o tema da gravura japonesa, cuja variedade pode ser constatada na coleção exposta. Todas elas pertencem a uma escola, nascida no século XVII e conhecida pelo nome de Ukiyo-e — “o mundo que passa”, com todas as suas conotações: terrestre, efêmero, contemporâneo, elegante, quotidiano, popular. A temática da escola chocava-se com as limitações das escolas tradicionais de pintura japonesa, a serviço dos mosteiros budistas, dos grandes senhores e dos novos ditadores militares que detinham o poder desde o século XVI. A pintura narrativa tradicional, representada pela escola de Tosa, e as paisagens ideais inspiradas pela arte chinesa estavam em decadência e, perdendo sua força de execução e o frescor de concepção, caíram em formalismo acadêmico. Somente floresciam as grandes escolas decorativas; mas sua pintura, apesar dos temas populares que abordava ( festivais e danças), e aristocrática, e não chegava a comover a moderna sensibilidade do povo. A nova escola trouxe muito mais diversidade do tema do que propriamente revolução no estilo.

Desde o início, a vida em Yedo e arredores forneceu temas suficientes para a Ukiyo-e. Esta escola surgiu para satisfazer as necessidades da nova burguesia e refletiu fielmente os seus interesses culturais, que se concentravam em volta de duas instituições: o teatro e o Yoshiwara. No final do século XVII tiveram grande voga duas formas de representação dramática: o teatro de marionetes e o teatro Kabuki, onde se revelaram excelentes atores. As marionetes não chegaram propriamente a inspirar criações pictóricas interessantes, mas os atores, com sua maquilagem tradicional e sua veemente representação nos melodramas, foram temas perfeitos para os gravadores. Para compreender a influência do Yoshiwara é necessário ter algum conhecimento do sistema social de Yedo. Todas as esposas respeitáveis eram rigorosamente reclusas e raras vezes saíam e, quando o faziam, era em palanquins fechados, para ir ao templo ou em visita a parentes próximos; não tinham qualquer vida social fora da doméstica. Em vista disso, samurais e comerciantes ricos somente podiam conviver com mulheres graciosas e cultas no Yoshiwara, cujas integrantes eram cuidadosamente instruídas, desde a infância, nos segredos da cortesia, da música, da conversação, da caligrafia e dos jogos de salão; usavam vestidos suntuosos e de gosto requintado; os homens as visitavam em busca de repouso e era entre eles que os artistas encontravam os mais belos modelos para suas gravuras. Os ricos vestidos das “yujo” — cortesãs do Yoshiwara — eram financiados pelos altos comerciantes, que se rivalizavam entre si, especialmente por ocasião dos desfiles celebrados nos festivais das estações.

Eram estes os temas da Ukyio-e, até fins do século XVIII; as gravuras da época retrataram as celebridades do momento, a favorita do Yoshiwara ou as camareiras das casas de chá. A tradição oriental se opunha totalmente ao retrato realista, e o que se vê nas gravuras japonesas é a captação do gesto característico, a representação gráfica dum traço especial do semblante ou da atitude do corpo. As convenções da época era natural por, como fundo do motivo, um episódio teatral famoso, um tema conhecido da mitologia ou da literatura clássica, animados pela figura de uma mulher ou de um ator popular da época; estas alusões nas gravuras são apenas adornos do tema essencial e permanente: o ciúme, o desejo veemente, a piedade filial, o heroísmo, o amor recompensado, etc.

Há no Japão um amor pela natureza, essencialmente pelas cerejeiras em flor, as paisagens enluaradas e a pureza da neve (trilogia tradicional). Esta inspiração, que sempre foi constante em todos os períodos de pintura, manifestou-se na Ukiyo-e, desde seus começos, mas somente na primeira metade do século XIX consagrou-se como expressão de paisagem pura. Os dois grandes pintores da época — Hiroshige e Hokusai — nunca chegaram a ser comparados aos mestres do século XVIII: Harunobu, Kiyonaga e Utamaro. Enveredaram por uma trilha na qual foram obrigados a competir com os grandes criadores das escolas antigas e, por surpreendentes e ousados que fossem, seus desenhos são triviais e sem profundidade em comparação com as harmoniosas linhas de gravuras em que se inspiraram. Não obstante, ambos se beneficiaram da grande tradição paisagística do Japão.

Foram as paisagens de Hiroshige Hokusai que puseram o ocidente em contato com o desenho do Extremo Oriente. Em 1860 os pintores de Paris fascinaram-se pela qualidade, cores planas e sem sombras e singeleza de processos do desenho japonês. Entretanto, o que interessou fundamentalmente aos pintores impressionistas foi a utilização total do espaço e sua função positiva no desenho. Estas características eram comuns não só aos artistas da Ukiyo-e como a todos os pintores orientais. As cores alegres e claras serviam apenas para dissimular a importância do desenho. As gravuras japonesas marcam o aparecimento da forma humana na arte do oriente como elemento principal do desenho. Interessaram muito aos pintores de Paris dos fins do século XIX e começos do século XX — para os quais constituíram uma introdução à estética oriental — por seus valores formais e suas relações de linhas e cores. Sua influência é comprovada não só nas litografias de Toulouse-Lautrec, como nas pinturas de Manet e Degas.

A centena de gravuras aqui expostas compreenderem um período de 200 anos e foram selecionados tendo em vista a representação de todos os artistas principais da Ukiyo-e nos seus temas mais característicos e famosos, sem levar em conta a sua raridade. Os magníficos desenhos de Kwaigetsudo (hoje já se está de acordo com fato de que houve três artistas que assinaram assim suas gravuras, em 1714, aproximadamente) são tão raros que só existem um ou dois exemplares; enquanto que as paisagens de Hokusai e de Hiroshige se encontram ainda facilmente e podem ser adquiridas por qualquer modesto colecionador. Maronobu e principalmente o autor de ilustrações de livros, mas desenhou e coloriu gravuras avulsas, das quais se expõe três, da série “Cenas do Yoshiwara” (1660). Antes de sua morte, ocorrida provavelmente em 1694. Tinha introduzido a técnica de pintar a mão os desenhos impressos. O período seguinte, iniciado pelos gravadores da família Torii (principalmente Torii Kiyonobu I), em 1695, continua até o final do período dos “primitivos” (1764), época das gravuras totalmente coloridas. A sucessão familiar japonesa não se fazia rigorosamente por hereditariedade; muitas vezes o direito de suceder ao nome de família era designação ou adoção; assim, o verdadeiro parentesco dos desenhistas Torii é obscuro e de pouca importância; mais de um artista usou o nome de Kiyonobu e acredita-se que três gravadores famosos assinaram Kiyomasu. As primeiras gravuras de Torii mostram a grande exuberância de linhas, e os atores de Kiyomasu I apenas parecem caber dentro dos limites do papel. O vermelhão utilizado naquela época para colorir a mão fazia ressaltar o poderoso caráter dos desenhos. A atividade de Okumura Masanobu abrangeu aproximadamente todo o período “primitivo”, e sobre o mesmo exerceu o artista marcante influência. Durante cerca de 15 anos foi ele editor, e esta ocupacao, aliada à de gravador, permitiu-lhe aperfeiçoar duas melhorias técnicas. A primeira foi o só da laca negra e do ouro em pó, exemplo típico de aceitação da técnica da velha escola de Tosa pelos pintores da Ukiyo-e. A segunda melhoria foi, a partir de1743, a utilização aperfeiçoada das placas de cores adicionais, técnica já empregada anos antes na impressão de livros e era, sem qualquer dúvida, procedente da China; Masanobu foi hábil desenhista e suas gravuras, tanto as de atores como as mulheres, constituem verdadeiro documentário da moda e nas quais faz exibição das maravilhosas vestes da época, ao mesmo tempo em que traz para o estilo da Ukiyo-e temas clássicos e situações românticas. O artista interessou-se também pela teoria da perspectiva, da qual alguma notícia lhe deve ter chegado através dos “bárbaros” holandeses.

Kiyomitsu e Kiyohiro, os dois artistas da família Torii, tiraram o melhor proveito de beni-e e parece que encontraram até uma certa inspiração nas limitações do processo. Não parou aí a impressão múltipla, pois outro desenhista, Ishikawa Toyonubu, da mesma maneira que Masanobu, começou muito cedo a experimentar sobre-impressões de matizes, obtendo uma suntuosa cor púrpura e produzindo, em 1754, sobre-impressão de três cores, sem perder a exatidão do registro. Esta ampliação do alcance e das possibilidades técnicas da gravura pôs fim ao período de desenvolvimento que, como ocorre em fases experimentais, foi dominado por um espírito de juventude e vigor que nunca mais voltou a ter; mas deu caminho a um gênio, cuja personalidade se revelou ao mundo com novas perspectivas na visão da penetrante beleza da juventude.

Harunobu, num período de menos de seis anos, produziu obras-primas em número bastante para toda uma exposição. Foi homem afortunado não só pela maturidade de seu espírito, como pelo privilégio de pertencer a um grupo de pessoas sensíveis e inteligentes. Este grupo possuía suficientes recursos econômicos para financiar ao artista não só o papel mais durável e mais fino até então utilizado como também e principalmente para garantir-lhe as despesas de uma impressão quíntupla, proporcionando-lhe o financiamento do tempo e da habilidade necessários a semelhante processo. Entre os membros da associação, contavam-se poetas da escola Kyoka e durante cinqüenta anos os gravadores da Ukiyo-e conviveram com aqueles intelectuais, que compunham epigramas, em variações modernas, sobre a literatura clássica de 700 e 800 anos antes. Se bem que o tema de teatro tivesse ainda seus partidários entre os desenhistas da escola Katsukawa, fundada por Shunsho, foi então que descortinou aos gravadores toda uma gama de assuntos de maior profundidade; a partir desta época os temas clássicos passaram a ser interpretados em estilo animado e gracioso, já depurado de uma certa frivolidade.

(Extraído da apresentação de Basil Gray — Conservador do Departamento de Antigüidades Orientais do “British Museum, Londres — ao catalogo da exposição “Gravuras Japonesas em Madeira”, editado pela U. N. E. S. C. O.)


Catálogo da Exposição Gravura Japonesa da Escola Ukiyo-e 1963

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