Exposição 1969.01 – Pinturas de Floriano Teixeira -24/04/1969
Floriano em Três Momentos
CONHECI FLORIANO TEIXEIRA na fase inicial de sua carreira artística. Para muitos, êle representava uma alviçareira promessa. Para mim, tornou-se de logo a revelação de um talento excepcional que necessitava ser estimulado. Não só estimulo, mas acolhida fraterna e amistosa lhe foram oferecidos por essa criatura excelente que é Cláudio Martins.
Os meus contatos com Antônio Bandeira e com outros jovens artistas que conheci em Montparnasse e na Place de Tertre, Paris, despertaram no meu espírito Tênues manifestações do crítico de arte que eu gostaria de ser. Graças a essa qualidade, que permanece em potencial, acreditei no êxito de Floriano Teixeira, à medida que ia conhecendo e analisando os seus trabalhos. Impressionavam-me os murais, impregnados daquele neocubismo que constituiu um dos traços dominantes do artista, em sua primeira dimensão.
INSTALADA A UNIVERSIDADE DO CEARÁ convidei Floriano para integrar a minha equipe. Na opinião dos que não gostavam da minha fachada, seria mais um ornamento no Gabinete de um Reitor, preocupado em esbanjar o dinheiro do povo com o patrocínio de loucas iniciativas de ordem nitidamente cultural. Aquelas capacidades entendiam que deveria ser aumentado exclusivamente o nosso instrumental de ordem técnica. Seria providência mais louvável do que amparar o Conservatório, criar cursos de canto coral e de arte dramática, instalar a Imprensa Universitária e promover outros requintes dessa natureza. Mas acontece que eu pensava diferentemente e, por sorte, estava falando no imperativo, como o principal responsável pela Universidade. Floriano, classificado funcionalmente como desenhista, passou a exercer atividades de pesquisador. Nessa qualidade visitou diferentes pontos do País, notadamente Pernambucano, Rio Grande do Norte, o interior da Bahia, o Cariri e Canindé.
Criadas as condições materiais mínimas, resolvemos instalar e fazer funcionar o Museu de Arte. Com a ajuda da Senhora Heloísa Juaçaba, do Zenon e de outros amigos, concluiu Floriano a sua tarefa em 17 dias. Não fiquei inteiramente satisfeito, porque o prazo que nós ambos tínhamos combinado havia sido o de duas semanas, incluindo-se um turno noturno de 8 a 10horas diárias, em que eu também colaborava.
Nesse segundo momento Floriano revelou-se excelente diretor artístico, mais um péssimo burocrata. Faço justiça em afirmar que nunca houve deslize em suas contas, mas quase sempre uma confusão dos infernos, que algumas vêzes resolvíamos sumàriamente: rasgávamos as notas das compras de bonequinhos de feira, que não se enquadravam às normas do Código de Contabilidade e pagávamos as despesas, que felizmente eram pequenas.
A DIREÇÃO ARTÍSTICA DO MUSEU não prejudicou o trabalho individual de Floriano. Continuou a produzir mais e melhor, ampliando o seu prestígio no cenário nacional. Aí a coisa para nós começou a complicar-se. A Bahia estava de xodó com o artista, o que me deixou desconfiado. Trabalho intensivo na organização e funcionamento do Museu do Unhão. Exposição com muito sucesso. Empréstimo de Floriano à Universidade da Bahia, por um período de tempo determinado. Por fim, aconteceu o inevitável: Jorge Amado e outros excelentes amigos de Salvador pediram-me a tranferência de Floriano para a Boa Terra, em caráter permanente. Àqueles amigos juntou-se um outro, que merecia a minha admiração e o meu respeito: o Reitor Miguel Calmon que, sôbre ser grande banqueiro, foi também um extraordinário incentivador das ciências, das letras e das artes, na terra ilustre da Bahia de Todos os Santos.
Mas, ocorre que muita gente está equivocada. Floriano não é baiano. Igualmente não maranhense nem cearense. É ecumênico, porque a arte não admite limites telúricos. Foi, é e será universal e eterna, como a mais expressão da beleza. Nesta sua terceira e brilhante fase, vem Floriano expor em Fortaleza.
Com a prerrogativa que temos de desvirtuar a significação conceitual das palavras, para reforçar o elogio, eu poderia definir a coisa assim:
A exposição vai ser um estouro, porque Floriano Teixeira é um monstro…
Antônio Martins Filho
Fortaleza, abril de 1969
Floriano Teixeira
Floriano nos veio do Maranhão. Terra da Casa das Minas, dos sobrados de azulejos, dos Reisados e Bumba-meu-boi. Matas, pássaros, Alice. Flôres. Sete curibocas, casarios. Pedrinho já baiano, crioulos, mutamba…Sua primeira formação foi cearense com Bandeira e Aldemir de porta-estandartes. Sua segunda formação é da Bahia.
Veio expor no M.A.M. Aquêle bruto letreiro na porta do Teatro
Castro Alves dizia ” Floriano Teixeira” em letras brancas sôbre fundo prêto.
Desenhos.
Que desenhos!
Coisas dos Brasis entranhadas de poesia. São Jorge mata dragão, meninas (as filhas) dialogando com flôres ou pássaros, gentes do mato e da cidade, Lampião cheio de humildade tomando a bênção de ” Padim Ciço”.Barcas, tempestades e um gavião morto. Êle o pegou passarinhando e êle o desenhou, pena por pena. Só não comeu porque é carne ruim, fôsse juriti comia.
São desenhos elaboradíssimos onde o traço obedece à intenção, ora dramática ora poética da cena.. Um emaranhado de linhas doces, violentas, amargas ou suaves, que obrigam os olhos a seguir o caminho por êle desejado para parar no ponto, no acento, digamos no nó da composição. Em outros brinca de esconder, desorienta o espectador, oculta a cena com texturas insólitas, com invenções e falsos caminhos de se perder e voltar ao ponto de partida.
É desenho rico, com algo herdado de floresta, de renda de almofada ou da complicada simplicidade das asas de mosquito e cigarras. Depois dessa exposição voltou com Alice e os meninos todos. Arranchou no Rio Vermelho e desandou a trabalhar, a fiar fino na roca de seus desenhos e a pintar.
Algo de monge medieval, ou de persa, anda por dentro de Floriano, nos óleos, em geral de grandes planos e pinceladas largas; de repente, numa janela, numa porta ou num portaló vê-se uma cena detalhadíssima, verdadeira miniatura, contando vida de povo, sempre com uma carga de poesia, uma alegria de côres e outra alegria, a de inventar meios de expressão, de dar mais e sempre mais, o que leva a pesquisar constantemente.
Incorpora aos quadros engrenagens, sêlos, panos ou madeiras, lava, raspa e torna a pintar num aprimoramento do ofício de pintor, ofício velhaco no qual se vai aprendendo até entregar a caçuleta. Pinta naturezas mortas, figuras, bichos e sua tônica é em geral alegre e poética, seu dramatismo vai até um ponto em que é mais saudado ou susto (“Monique e Antônio Conselheiro”).
Decididamente Floriano não é torturado, é um pintor que gosta de seu ofício e pinta. Pinta rodeado de seus sete filhos e de Alice. Num mundo que é seu mundo, cheio de arraias, de bolas de gude, de riso e broncas dos meninos. E dêle.
Carybé
Catálogo
1-Silvana e Carminha Celestino dançando diante do Cristo flagelado de Mirabeau
2-Crepuscular (1966) col. part.
3- Quando vai entardecendo (1966) col. part.
4-Menino brincando de empinar arraia (1968) col. Dr. Antranik Manissadjian – SP
22- Opus nº122 (1969)
5- Pacìficamente (1968) col. Alice Teixeira – BA
6- A nuvem (1968) col. Dr. José Maria Magalhães Neto – BA
7- O pequeno pássaro noturno (1969) col. Sra. Sérgio Gasparian – SP
8- O cego (1968) col. MAUC – CE
9- Cidadezinha sem importância (1968) col. MAUC – CE
10- Opus 120 (1968) col. José Júlio Cavalcante – CE
11- O lenhador (1967)
12- Paisagem tranqüila (1968)
13- A paisagem e o lençol (1968)
14- A casa de Miguelângelo (1968)
15- Opus 121 (1968)
16- Parque industrial (1968)
17- Elementos da paisagem (1968)
18- Imenso e maravilhoso é o mundo das meninas (1969)
19- Monique sonha colorido (1969)
20- A casa nº5 (1969)
21- O mêdo (1969)
23- Onde foi a afoita jangada (1969)
24- Seresta (1969)
25- O dono da noite (1969)
26- Lua de prata (1968)
27-A manga-rosa e a rosa (1968)
28- São Gerônimo em paz na sua caverna (1968)
29- Frutas e flôres na janela (1969)
30- Manhã Com Sol Brilhante (1968)