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Museu de Arte da UFC – Mauc

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Exposição 1970.02 – Pintura de José Nasser Hissa – 26/11/1970

(Transcrito do Folder)

Antes de tudo convém entender-se que a apresentação do artista não deve ir além da própria apresentação. Quando muito, externar-se uma ou outra opinião pessoal, sem carga crítica.

Tal explicação aqui se impõe, visto que se as chamadas apresentações, nos catálogos de mostras de pintura, principalmente em província e, com fôrça maior, quando são da lavra de “dilettanti”, muitas vêzes literatos menores, a coisa costuma enveredar pela crítica (laudatória, é claro) prenhe de acacianismos, palavras difíceis, têrmos cabalísticos ou quaisquer outros processos matreiros de embair a boa-fé do visitante, eventual comprador da mercadoria exposta…

Persuadido por tais cândidos pontos de vista, isto é, de que a apresentação deve significar-se tão apenasmente e denotativamente apresentação, é que eu, solicitado a fazê-la, não desejo ir além de minhas pobres botas. Eis por que não há, nestas notas, nenhum comentário crítico sôbre os trinta e tantos trabalhos com que o arquiteto José Nasser Hissa (conhecido nas rodas profissionais pela alcunha afetiva e cearense de “Galego”) se apresenta como debutante à sociedade artística local no nosso MAUC. O Hissa, frustada vocação de “footballer”, é um jovem arquiteto conterrâneo, diplomado após brilhante curso no Rio de janeiro, e já com valiosa bagagem profissional no campo da Arquitetura e da Comunicação Visual. Por que se decidiu a fazer pintura, não sei! Tenho, porém, a pressuposição de que a gente, conversando com êle, e procurando compreender certas particularidades da vida profissional dos arquitetos, enfim, meditando um pouco, possa entender por que razão o Galego anda às voltas com pintura…

Meu caro Hissa: não sei se estou na sua, mas creio que você, como eu, aceita a pedida certíssima do mui manjado Leonardo, que, lá pelos fins do século XV, percebia tranqüilamente o fato de que a pintura era a arte perfeita, independentemente do fato de que, já naquela época, era a que mais faturava Arte Perfeita, afirmava Messer Da Vince, porque não é como poesia, ou a prosa, que só pode ser entendida por quem conhece e sente a língua em que foi escrita. Perfeita porque não é como a escultura, que depende do ambiente em que a exponham, interno ou externo (entra aqui a velha história das estátuas, dos intendentes municipais e das venerandas figuras das associações culturais…). Perfeita, porque não é como a Arquitetura, projetada por um, construída por outro e esmolambada por uma porção de outrens (esmolambada é um eufemismo conjugativo que li num poeta dito pra frentex, da década dos trinta, num ditirambo à nossa cidade da Fortaleza). A pintura, entretanto, por seu lado, não precisa de intermediários, não reclama nada além de um pedaço de tela, de tábua, de papel, pequenino que seja: ao contrário da arquitetura, custa tão pouco materialmente… O pintor pinta o que quer, quando quer; o arquiteto projeta quando os outros querem. A pintura não é exposta à intempérie. Pelo contrário, é colocada na parede de melhor vista da casa: a madame não deixa ninguém tocar nela, mesmo de leve. Não admite atitudes táteis: preserva-a como um mito! Enquanto isso, na casa, na arquitetura da casa, a madame fêz misérias, por deliberação própria (no fim de contas todo o mundo tem gôsto…) ou por sugestão das amigas. Quando pensa que a respeita, só porque não lhe mexeu nas paredes, já aviltou a pobre Arquitetura com o “elder kitsch” dos pseudomóveis antigos, com o “bric-à-brac”, tôda uma catervagem espalhada por uma louca saltitante, “soi disant” decorador de interiores…

Ninguém mais que os próprios arquitetos compreende o arquiteto que procura sublimar-se através da pintura e do desenho. Bem ao contrário do que se pensa, êsse fato é comum, muito comum, aliás.

Quando você montou a BIT, eu supunha que você também havia descoberto o tal calcanhar de Aquiles da fortíssima e superioríssima arte que é a Pintura, cujo fim alguns dramáticos chegam a assegurar, por decorrência das novas formas de reprodução mecânica ou mesmo eletrônicas, que a dessacralizam. Assim é que eu entendi a razão porque você se mandou pelos caminhos novos, fazendo comunicação visual no Ceará a nível de emprêsa. Compreendi a perfeita visão que você tinha tanto do momento histórico e do destino das artes numa sociedade de massas em maré montante, como da total probabilidade, hoje comprovada, de um relativo sucesso econômico em meio hostil (intuição esta, sem dúvidas, originada de sua ancestralidade semítica…)

Diante dos quadros que você ora exibe, tenho que reformular alguns conceitos. O primeiro, é de que a Pintura deve estar dando dinheiro, porque você, produto selecionado de povos vivíssimos, como são os libaneses e como somos nós, os aratacas, não iria entrar em fria, fazer “ars gratia artis”… No fim de contas, não iria desperdiçar oito anos de pesquisas com técnica nova, trabalhando à base de tinta Pilot, espatrangeiro ou mesmo nacional. Em têrmos de prafrentismo, o resultado é notável, principalmente quando você fala de que o processo pode ainda chegar à fase da reprodução. Artisticamente, não há dúvidas quanto à excelencia dos resultados. O processo que você emprega, é claro, só lhe permite fazer Pintura abstrata (no dizer do nosso Lúcio Costa, essa é que é a pintura verdadeiramente concreta e pura. Permanece, entretanto, nos seus quadros, como você mesmo admite, para ilusão dos saudosistas da figura, não sei bem se um ar de paisagem de sonhos (já me estou traindo como admirador de Watteau…), paisagem aqui num sentido etmológico, ou melhor – num sentido que em Portugal se lhe dava no setecentos, de pintura de países, países no sentido de regiões, lugares, do “paese” italiano. Não sei bem, talvez me faça impressão de um “tumulto cósmico”, hipérbole ridícula, que um dêsses críticos nefelibatas, em crise de afirmação, usaria sem temor.

O bacana de tudo isso é que não se imagina nem se descobre a técnica que você emprega e avaramente silencia. Quando vi dois ou três quadros em sala pouco iluminada, pensei que fôssem óleos. Agora, às claras, parecem guache diluída, aquarela ou melhor, aguadas.

Como, nisso de arte, creio já estar na volta, não me preocupa o que quer dizer sua pintura, de resto muito homogênea, por imposição da própria técnica. Enfim, pouco ou nada acrescento, pois, como se falava antigamente, asseguro-lhe que todo o resto são frioleiras (evitemos, por enquanto, sinonímia popular mais expressiva e em evidente ascensão social). No fim de contas, nesse negócio de arte, a gente gosta ou não gosta. O gôsto pessoal, fique claro, é referido aqui como dado cultural, e não uma forma arbitrária de decidir, dependente que é de tanta coisa. Eu, por exemplo, gosto do que você como “experiência”! Será que a marca-símbolo nacional do INSTITUTO DE ARQUITETOS DO BRASIL, da sua entidade de classe, que você desenhou e que ganhou o concurso na Bahia, também era “experiência”?
Eras, do Galego modesto!…

Hissa: aqui está a sua “apresentação”. Desculpe o jeitão da coisa, mas sou dos que acreditam piamente que os estatutos da prafrentíssima Padaria Espiritual, talvez um pouco reformulados, ainda estão vigendo! Um abraço muito apertado do amigo e os agradecimentos da família L de C. pelo quadro com que você nos presenteou, aliás escolhido pelas crianças (use êsse expediente para vender, fazendo ver aos prováveis compradores que as crianças, na sua pureza, não têm preconceitos, não se lembram de Watteau…)

E, já que estamos funcionando à base do “calembour”, é de se exclamar: onde se viu Galego tão “liberal”?! Presenteando quadros!
Evidentemente, o homem não é mais libanês nem cearense: virou brasileiro…

J. L. de C.


Catálogo da Exposição José Nasser Hissa 1970

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