Exposição 1975.03 – 25 anos de Arte-Retrospectiva: Estrigas – 14/08/1975
Homenagem
“Nossa homenagem a todos os colegas que concorreram, e concorrem, para o bom nome de nossa arte, principalmente os companheiros da SCAP.”
Estrigas
Nilo Firmeza, que perdeu o nome de batismo e de registro civil para se chamar simplesmente ESTRIGAS, apelido do tempo do Liceu do Ceará, que acolheu com a simpatia, a simplicidade e esse jeito bom de ver a vida, é o cartório vivo, pessoal, infalível das artes no Ceará. É ele quem sabe de um tudo, quem dirime as dúvidas, quem esclarece e informa com uma boa vontade sempre presente, filha do amor constante que cultiva com regalo do peito por tudo que diz respeito às artes plásticas. Conhece bem o passado, o presente e tenho cá minha secreta confiança de que é capaz de se projetar para o futuro e dizer o que vamos ter dentro de um século. Sei lá , as relações misteriosas do Estrigas com o assunto são tão profundas e tão íntimas que alimento minhas dúvidas e esperanças de que tem alguma coisa de mágico esse bruxo do Mondubim, feiticeiro que manipula as tintas com o pó do sentimento, o sal da sua sensibilidade de menino que não vai envelhecer nunca. E criou, com Nice, sua mulher, seu reino encantado, cercado de mangueiras, de rosas, de plantas de frutos de árvores frondosas e canteiros de violetas e de miosótis que o resedá perfuma e as mãos da dita Nice, também artista, vão compondo no chão com a mesma sabença com que usa o pincel, as tintas e a tela.
Esse reino é encantado, sim, uma data de terra que vem dos seus antepassados, com direito a uma casa de beiral, despretensiosa e acolhedora, que vai muito bem com os que moram nela, discretos e simples, com os braços e o riso sempre abertos para os amigos. Aí instalaram o Mini- Museu Firmeza, onde reuniram, com paciência e com gosto, com método, com disciplina e carinho, com intuição que faria inveja a muito pesquisador e museólogo diplomado, trabalhos de artistas cearenses.
Agora o Museu de Arte da Universidade Federal do Ceará organiza uma retrospectiva de ESTRIGAS, que abrange três décadas, a partir dos anos 50 – um presente que se estava esperando há muito tempo e que vem pelas mãos cientes de Zuleide Martins Menezes, sua Diretora.
Aí temos ESTRIGAS desde os bravos tempos da SCAP, quando começou o curso livre de desenho e onde pontificou, depois, como membro sempre atuante da sua Diretoria, ajudando a levar o andor bonito, mas tão pesado e tão difícil, dependendo da boa vontade alheia, da colaboração dos poucos que igualmente se interessavam – fazendo milagre com dinheiros pequenos.
Daí para cá, participou de 40 exposições coletivas, no Ceará, no Rio de Janeiro e em São Paulo, sempre louvado, muitas vezes premiado e mandando por toda parte sua mensagem de beleza, que, reconhecia por críticos respeitáveis, virou verbete do dicionário de Artes plásticas do Brasil, do Anuário do Ceará e conta dores de bom gosto, sem falar nos que estão no Museu de Arte da Universidade Federal do Ceará, Casa Raimundo Cela (Centro de Artes Visuais), Museu do Crato, Instituto do Museu Jaguaribano (Aracati). Sem contar também as várias exposições individuais.
Estrigas tem enriquecido muito livro desta cidade (eu que o diga, pois, recentemente, ele e Nice ilustraram meu Viagem no Arco-Íris, em colaboração com Cláudio Martins), quatro de Ciro Colares – Hoje quero marinhar; O Homem do Cravo Amarelo; Hoje é Sábado, amanhã é Biquini e A Mulher Anúncio. De otacílio Colares Os Saltadores de Abismo, e de Manuel Coelho Raposo Cantos para alguém dizer.
Como é um artista que também sabe escrever, já deu por escrito seu depoimento muito lúcido sobre artistas, escolas, entidades, movimentos, exposições, com a garra do velho conhecedor experimentado e judiciosa. É a ele que devemos um histórico sobre Salão de Abril publicado em 1972 e 1974. A revista Clã publicou, no número 22 de 1966 um belo estudo sobre esse excelente artista que é o nosso Zenon Barreto. Na mesma linha escreveu também sobre o grande Floriano, (trabalho publicado no nº 25 da revista Clã, reproduzido no Álbum F.Teixeira da Coleção Plástica da Bahia, editado pelo governo daquele Estado) em que denuncia a constante preocupação da verdade, a observação minuciosa e o zelo e o escrúpulo que põe em tudo o que faz.
A contribuição mais substanciosa que deu ao estudo das artes no Ceará, foi o livro Arte – Aspectos pré-históricos no Ceará, em que mergulha nas nossas origens começando lá na pintura parietal dos primitivos, revelando pesquisas feitas na Serra de Uruburetama, em Itapipoca, nas grutas em que estão pintadas figuras humanas e animais – e avança na arte indígena, de caráter utilitário e decorativo.
Mas, como foi dito, Estrigas é um cartório vivo, ele sabe tudo sobre as nossas manifestações artísticas, partindo da pré-história, a colonização, o academicismo, até ontem até hoje, com os nomes dos seus responsáveis, dos que praticaram e exerceram a arte nas diversas fases da nossa história.
Se o homem Estrigas é uma das pessoas de mais fácil convivência, de mais saudável filosofia de vida que inspira querença grande, o artista já não precisa de apresentação ou de comentários, tão conhecidos e amado é entre nós. A mesma sensibilidade, a mesma leveza de linhas que identificam seus trabalhos, num plano de unidade realmente rara, nas suas concepções sempre tão pessoais, que nos levam a distinguir à distancia um quadro da sua autoria.
Tudo porque Estrigas nasceu artista e soube explorar o dom que Deus lhe deu e o vem fazendo sem pressa e sem interrupção, consciente, meticuloso, irrepreensível, honesto. Este artista tão grande e tão verdadeiramente Estrigas pode agora ser visto no seu conjunto, nesta retrospectiva belíssima, testemunha de toda uma vida dedicada à arte.
Milton Dias