Exposição 1976.07 – Sérgio Pinheiro – Pintura e Pastel – 18/11/1976
No “Céu do Ceará”, o povo
Sérgio Pinheiro pinta como se escrevesse um livro. É assim que ele entende o seu trabalho.
Um dia, reunidas todas as suas pinturas e desenhos, resultará o seu livro: o seu conjunto de obra, expresso em desenho, pintura, guache, pastel… E, seguindo sua coerência, mantida a duras penas, terá construído o seu projeto artístico.
“O Céu do Ceará” é um momento crítico e, por isso mesmo, um momento importante deste itinerário – processo de edificação de um monumento plástico. As figuras do “Céu do Ceará”, agressivas em seus dentes e olhos grandes, nasceram das deformidades geradas, pela subnutrição e loucura, no aspecto do povo.
Assimilada a essência do mito, incorporada a visão plástica popular e sertaneja – conhecida nos “milagres”, no imaginário primitivo, nas cores vivas que o revestem – somada uma ótica singular e privilegiada, resulta o universo plástico criado, estranho e surpreendente, composto pela mostra “O Céu do Ceará”.
Cada figura mantém, guarda e expressa um sintoma da indigência, e, na indigência, transborda a essência mítica e mística do fabulário popular. Pintura identificada e estruturalmente vinculada à terra, nela transparece, contudo, a universalidade do humano, a generalidade de sua miséria e grandeza.
R.A.
“O Céu do Ceará”
Pelo caminho do gesto imagino a casa cheia de ouro. Por dentro, por fora. O ouro nos dentes dos peitos dos serrotes, ouro nas árvores e no burro alegria.
A quantidade faminta de famílias feias. Química mágica dos peixes dourados brandos dentro do mar-guarida.
O mar é verde ou azul dependendo da quantidade de teus olhos: Uriam, Odon, Guion, Antônio, Renauet, Godofredo e Monge (não se sabe o nome, sabe-se que virou monge e que possuia três olhos), folhos de Melusina e Raimondin. Nasceram fortes e belos mas portadores de anomalias (nas faces) num apelo vivo à expressividade das fisionomias e dos sentidos. Resolvi pintar os oito filhos da Fada Amorosa da casa dos Lusignan, parafraseando o farto número de filhos das famílias nordestinas. A fada, pintei em figura de lavadeira (personagem dos rios, riachos e cacimbas) e o filho do conde, o Raimondin, em figuras de malandro, óculos escuros, bigodinho, armado para aventuras. A serpente um monstro das lendas e mitos.
A exposição não fica só numa família cheia de ouro e sonhos. Caminha no vácuo do medo, até o Céu do Ceará lavar meu cérebro, enxaguar minhas mechas de cabelos pretos em chuva de nuvens também pretas, num dia de inverno, no ano do também e pronto: A liberdade seja o meu progredir criando.
S. P.
Em Jericoacoara, terra histórica do ceará, há, sob um serrote onde o farol alumia a escuridão das noites, uma princesa encantada, morando numa gruta, cheia de riqueza. Só se desencantará se alguém for sacrificado. A princesa está transformada numa serpente, com a cabeça e os pés femininos!
Clique para ampliar Toda a Europa sabe a tradição de Melusina, a fada amorosa da Casa dos Lusignan. Filha da fada Pressina, Melusina se tornava serpente todos os sábados. Durante uma caçada. Raimondin, filho do conde de Forez, encontrou-a numa floresta do Poitou. Apaixonaram-se um pelo outro. Melusina construiu milagrosamente o castelo de Lusignan. Viveram amorosamente . Nasceram oito filhos, fortes e belos mas portadores de anomalias. Uriam, o primogênito, tinha a face mais larga do que longa e um olho era vermelho e o outro azul. Odon, o segundo, possuía orelhas enormes. Guion, o terceiro, apresentava os olhos colocados desigualmente. A face do quarto filho, Antonio era marcada por uma garra de leão. Renauet, o quinto, parecia um Ciclops, com seu único olho, mas enxergava perfeitamente numa distância de vinte e uma léguas. Godofredo, o sexto, orgulhava-se de ter apenas um dente que lhe saía da boca mais de uma polegada. O nariz da Fraimond, o sétimo, mostrava a extremidade peluda como se fosse uma toupeira. Não se sabe o nome do oitavo, que se fez monge. Esse tivera três olhos…
Melusina fizera o conde Raimondin de Lusignar jurar que não a procuraria ver durante os sábados. Anos depois, mordido pela curiosidade, o fidalgo abriu um furo com a espada na porta do aposento onde a esposa se banhava. Viu-a como uma enorme e horrenda serpente. Gemendo de dor, Melusina desapareceu por uma janela. Nunca mais o marido a tornou a ver. Até o dia do juízo, a fada ficará serpente.
Olavo Dantas, Sob o Céu dos Trópicos. Extraído de ” O Saco”nº 3, pg.11.
Dados Pessoais
Francisco SÉRGIO Sales PINHEIRO, nascido em 24 de fevereiro de 1949, na cidade de Jaguaribe, Estado do Ceará, filho de Ataliba Pinheiro e Eglantine Sales Pinheiro, solteiro, residente à Rua Capote Valente, 145 apto.14, Pinheiros, São Paulo.
Formação – Estudos no Centro de Artes e Ofícios
1966 – Curso de Gravura com Misabel Pedrosa (Fortaleza)
1967 – Curso de Caricatura com Appe (Colégio Militar de Fortaleza)
1971 – Curso de Cultura Visual Contemporânea (MAM – Rio).
– Curso de Monitoria do MAM.
1973 -Estudos de Pintura no Atelier Porta Vermelha, de Miguel Espinoza Salas (Lima, Peru).
1974 – Estágio na Standard propaganda. S. Paulo.
Exposições
1967 – I Salão Nacional de Artes Plásticas do Ceará
– XVII Salão de Abril – Fortaleza
1968 – XVIII Salão de Abril – Fortaleza
– 1º Prêmio do Salão Estudantil de Artes Plásticas – Ceará
1969 – Menção Honrosa no II Salão Nacional de Artes Plásticas do Ceará – Fortaleza
– V Caravana Internacional de Cultura, com exposições em Porto Alegre, Montevideo e Buenos Aires.
– 1º Prêmio do Salão Estudantil de Artes
– Coletiva “Experiência Quatro” (Galeria do Ideal Clube de Fortaleza),
1970 – Individual na Galeria Magrela (Fortaleza).
– Participação na Pré-Bienal de S. Paulo (Recife).
1971 – Individual “Paisagem em Quadrinhos” (Galeria Modelar – Ceará).
1972 – Individual “Vistas na Tela” (Museu de Arte Contemporânea – Pernambuco – Olinda).
1973 – Individual “Rumo Brasília” (Paisagens – Arequipa, Peru – patrocinado pelo Instituto Nacional de Cultura do Peru).
1974 – Exposição Individual – Capa Paisagem – Casa de Raimundo Cela – Fortaleza – Ceará.
– Exposição Individual na Casa da Universitária – S. Paulo.
1975 – Individual – companhia Internacional de Engenharia – R. de Janeiro.
1975 – Coletiva – Galeria Quarto Crescente – S. Paulo.
1975 – Individual – O Gesto por Excelência ou Meios de Transporte. Clube do Congresso – Brasília.
1975 – Individual – paisagem vista interna – Museu de Arte Contemporânea de Pernambuco.
1976 – Arte Agora I – Brasil 70/75 – Museu de Arte Moderna, R. de Janeiro.
1976 – Coletiva – Fortaleza Mostra desenhos – Casa da Cultura Raimundo Cela – Fortaleza.
1976 – Coletiva – IV Congresso Brasileiro de Psiquiatria – Fortaleza.
1976 – Coletiva – Ideal Clube – Fortaleza.
1976 – Individual – O Céu do Ceará – Museu de Arte da UFC – 18 de novembro – 76.
Obras Expostas
Pintura
1. Uriam
2. Odon
3. Guion
4. Antônio
5. Renauet
6. Godofredo
7. Froimond
8. Monge (não se sabe o nome do 8º)
9. Meluzina
10. Raimondin
11. Serpente de Jericoacoara
12. Cosme e Damião
13. Luíz Cláudio – Saltimbanco
14. Jurandir – Pescador
15. Maria de Fátima
16. Binivosk
17. Manel – Caçador
18. Renato
19. Itamar
20. Zoe
21. Laurenize
22. Enterro
Pastel
1. Violência
2. O padre reza pelo fim da Guerra no Vietnã
3. Teatro Romântico
4. Polomoche Lúbrico
5. No trilho da minha Bicicleta
6. O Raio do Futebol
7. Circo I (A Boneca de Lata)
8. Colagem
9. Mantenha o Sistema
10. Varal de Treblink
11. Retrovisor Memorial
12. No Piquenique