Exposição 1980.06 – 11 Artistas da Bahia – 27/11/1980
(Transcrito do Catálogo)
Intercâmbio
As universidades refletem e expressam as tendências das regiões a que pertencem. Por essa razão, desde a origem a Universidade Federal da Bahia revelou nítida inclinação para as manifestações artísticas; e esse pendor congênito produziu resultados assinaláveis. Assim, o curso de Dança em nível superior é o único no gênero, no país. A Escola de Belas Artes, nascida há mais de um século, foi a segunda, na área, implantada no Brasil. O curso de Teatro influenciou decisivamente as apresentações cênicas dos últimos 20 anos na Bahia, e muitos alunos do passado estão hoje consagrados nos palcos nacionais. As atividades musicais ocupam espaço de destaque na vida cultural do Estado e os professores da Escola já foram, muitas vezes, distinguidos com prêmios prestigiosos. Consolidou-se, pois, ao longo da sua da existência, a vocação irreconhecível da instituição tradicional.
Por seu turno, a acuidade sensorial do Magnífico Reitor Paulo Elpídio identificou, bem cedo, aquelas predileções da UFBA e do Estado, e a sua Universidade Federal do Ceará, dotada de sensibilidade simétrica, promove, agora, uma exposição de artistas plásticos baianos, em comemoração aos 25 anos da entidade.
O evento é significativo sob vários ângulos. Os cearenses conhecerão melhor alguns dos mais admiráveis artistas brasileiros. Carybé, Jenner Augusto, Mário Cravo Jr., Emanuel Araújo, Carlos Bastos, Floriano Teixeira, Mirabeau Sampaio, Calazans Neto, Juarez Paraíso, Fernando Coelho, Sante Scaldaferri, mostram, em suas obras, o feitiço, a beleza, a sensualidade, a magia, a alma mesma da gente baiana, que o talento do artista cria e recria sempre, sob a visão arrebatada da fantasia, ou do sonho, que a cidade transmite e inspira.
Portanto, não se trata, apenas, de uma exposição dos pintores e escultores baianos, pois essa mostra é a própria Bahia que vai para Fortaleza, reproduzida, nas imagens genuínas e humanas, pela delicadeza e perícia de seus filhos amados. Jorge e James, doutos na matéria, em conspiração com Floriano, escolheram, com sabedoria e cuidado, as telas, as gravuras, as peças.
E agora a Universidade Federal do Ceará, amorável e gentil, acolhe esse acervo encantado de beleza, sentimento e arte.
O acontecimento é mais do que uma simples exposição coletiva, pois representa, ainda, a aproximação afetiva e fraterna entre dois expressivos Estados nordestinos, com benefícios culturais recíprocos.
Por tudo isso, a importância da iniciativa não se resume à exposição. Ela é, antes, o ponto de partida, pois outras promoções virão por certo. E em breve, na Bahia, estaremos apreciando os trabalhos dos artistas cearenses, continuadores de Antonio Bandeira, contemporâneos de Aldemir Martins. Retribuiremos, então, o abraço afetuoso com que agora nos estreitam os amigos do Ceará, confirmando que a hospitalidade, simples e amável, é costume secular e nativo da terra e do povo do Nordeste. Assim como a amizade, a beleza, a poesia, a simplicidade, a pureza, a arte. Virtudes humanas e expressões culturais, reunidas aqui, no Ceará, hoje, nesta exposição de tanta gente boa e tanta coisa bonita.
Luiz Fernando Macedo Costa
Reitor da Universidade Bahia
A cultura baiana
O importante na Bahia é o povo. De uma força vital sem medida, artista de nascença, senhor da gentileza, capaz de superar as piores condições de existência a seguir adiante, amando o riso e a festa, criador de civilização e de cultura, o povo baiano marca e testa toda a obra da criação aqui realizada.
Ponto de encontro de raças e costumes, primeira capital do país, rica e famosa nos inícios da nação brasileira, porto aberto aos barcos do mundo, às ideias e aos forasteiros, tais condições propiciam a mestiçagem e o sincretismo cultural (e religioso), interpenetração de fontes e correntes até tornar-se a característica dominante do panorama social, dando à Bahia uma poderosa cultura popular, evidente nos diversos aspectos da vida do Estado, estuante na Capital. Dela nos alimentamos todos os que aqui criamos literatura e arte.
Mais de uma vez escrevi ser a África o nosso umbigo. Como sensibilidade, maneira de ver a vida e o mundo, forma de agir aos acontecimentos, de viver e conviver, de pensar e agir, somos pelo menos tão africanos quanto ibéricos. Definitiva foi a contribuição dos negros para a formação de nossa cultura nacional. Apesar das terríveis, monstruosas condições em que a cultura de escravos, vilipendiada, desprezada, combatida à morte, violada, cuja substituição violenta, na base do cacete e do batismo, foi tentada quando os senhores de escravos quisera, impor aos negros, íntegra, a cultura dos colonos, da língua aos deuses.
A força de vida dos negros foi mais forte do que o chicote e a água benta, conseguindo manter viva e permanente, em meio às incríveis condições da escravidão, uma face original, mesclando-a no correr do tempo às duas outras matrizes da nação brasileira, para dar como resultado a originalidade da cultura mestiça do Brasil, única talvez no mundo. Tudo aqui se misturou, as línguas faladas na casa-grande, na senzala e na mata, os santos vindos da Península Ibérica, os orixás chegados da África, as iaras e os caboclos retirados da floresta e dos rios. Mulatos somos, Senhor do Bonfim e Oxalá sejam louvados, amém, axé.
Na Bahia, a cultura popular entra pelos olhos, pelos ouvidos, pela boca (culinária tão rica, colorida e saborosa), penetra sentidos adentro, determina a criação literária e artística, é sua viga mestra. Determina, assim, a condição nacional da literatura e da arte: caráter popular presente mesmo na obra mais refinadamente intelectual.
Jorge Amado