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Museu de Arte da UFC – Mauc

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Exposição 1983.02 – Renina Katz – 06/04/1983

(Transcrito do Catálogo)

Esta coleção de desenhos de Renina Katz tem uma história pitoresca. Parte de uma série muito maior, foi feita nos anos 50, sob inspiração do Romanceiro da Inconfidência de Cecília Meirelles, e com ideia de ilustrá-lo, ideia que não chegou a se concretizar. A maior parte desses desenhos se perdeu, e os que ora se expõem estiveram esquecidos por mais de 20 anos entre os guardados de Renina, que um dia teve a surpresa de encontrá-los, ou antes, de reencontrá-los. Elsio Motta, o impressor de suas gravuras, deu-se ao trabalho de organizar a série em “passe-partout”, e o conhecimento de sua existência levou a TV-Cultura de São Paulo a exibí-los num programa em homenagem a Cecília Meirelles. Foi quando eu os vi pela primeira vez, em 1975, encantando-me com a beleza e a espontaneidade do traço, esboços mais ou menos acabados, mas, como muitos esboços, às vezes mais reveladores do talento do artista do que o seriam trabalhos mais elaborados. Convenci Renina que eu saberia guardá-los melhor do que ela – artista exigente, mas natureza excessivamente desprendida – e consegui persuadi-la a me ceder a coleção, de que me propus a ser, muito mais do que um feliz proprietário, um fiel depositário. E é nessa qualidade que considero um privilégio poder expor agora no Norte e Nordeste esses magníficos trabalhos, depois de os ter apresentado em Ouro Preto, Belo Horizonte, Brasília, São Paulo, Rio de Janeiro, Curitiba, Florianópolis, Salvador e Recife.

Espero que agradem aos que os virem, como me encantaram a mim.

José Mindlin


O poema-desenho de Renina Katz

“Levantai-vos dessas mesas,
saí das vossas molduras,
vede que masmorras negras,
que fortalezas seguras,
que duro peso de algemas,
que profundas sepulturas
nascidas de vossas penas
de vossas assinaturas!”
(Romance LXXXI ou De Ilustres Assassinos”)

Para sentir o espírito deste livro de Cecília Meireles, que tem a nebulosidade e o ceticismo típicos da poesia do simbolismo, é preciso desnudar-se de qualquer mito ou ideia de heroísmo ou de qualquer ímpeto de bravura, a que se pode levar a visão do passado e da história. O Romanceiro da Inconfidência é uma construção poética da história das Minas, mas a história às avessas, com seu lado brutal, poema por poema desvelando cada imagem lavrada de santos e profetas, a farsa de cada figura recomposta, “figuras inocentes, vis, atrozes”, vigários, coronéis, ministros, poetas, a cleresia, os fracos, os protetores, vassalos, amigos, delatores, omissos, silenciosos. Todos participam de uma trama irremediável, até os fantasmas e as almas, “os mortos ainda vivos”. Não se trata de buscar o conhecimento ou a experiência direta das coisas, pois, já na “Fala Inicial” Cecília confessa o esquecimento do passado – só restam “ossos, nomes, letras, poeira…” – e deixa-se, pelo sonho, penetrar o ministério, “esse esquema sobre-humano”, que antecede os fatos e a própria realidade.

Cecília Meireles representa na literatura brasileira a chamada vertente simbolista ou espiritualista do pós-modernismo. No Panorama do Movimento Simbolista Brasileiro, Andrade Muricy lembra um seu ensaio, intitulado O Espírito Vitorioso – apologia do Simbolismo e especialmente de Cruz e Souza -, que fora uma tese de concurso, publicado em 1929. Lembra também uma conferência de Cecília sobre Cruz e Sousa, realizada em 1933, com a projeção de desenhos de sua autoria, inspirados na obra de Cecília Meireles, o Romanceiro da Inconfidência fala da fraqueza fatal do homem, a inutilidade do cotidiano, o sonho, a loucura, a solidão, bem como trata de temas, alguns deles filosoficamente complexos, como o da intuição do mistério, do indizível, da ausência, da morte, do nada. A leitura do livro pressupõe o conhecimento objetivo dos personagens e da trama histórica, embora todos sejam abordados liricamente numa interpelação de narradores, que concentram uma única visão do mundo. O texto é impregnado de imagens obscuras, como o “atroz labirinto” e a “eterna escuridão” e, de toda destruição, surge o questionamento final da purificação dos inconfidentes. Cecília não faz apenas um discurso de mágoas e melancolia; seu discurso é incisivo, crítico, não menos que o trajeto noturno de Cesário Verde pelas ruas de Lisboa, ou o percurso do rio de João Cabral de Mello Neto.

Em 1956, três anos depois da publicação do Romanceiro da Inconfidência, no Rio de Janeiro, Renina Katz fará a série de desenhos, que já não se pode separar da obra de Cecília Meireles. “Já ninguém dorme tranquilo,/que a noite é um mundo e sustos” (…) Correm avisos nos ares. / Há mistério em cada encontro”, (…) Noite escura./Duros passos”. (…) e a noite era uma trama surda/de negras denúncias e medos” São ruas escuras como as de Goeldi, embora este entre pelo fantástico e pelo patético, enquanto Renina concentra-se no rumor, na tensão, no medo e na paralisia dos ambientes. As áreas de forte contraste claro-escuro, delimitadas por linhas e ângulos acentuados, parecem derivar da gravura que Renina aprender com Carlos Oswald e Axel Leskoschek, no Rio, ainda nos anos quarenta. Carlos Oswald, que se dizia entre o classicismo e o impressionismo, teve a primeira turma de gravura em metal no Liceu de Artes e Ofícios em 1914, ano em que Anita Mafaltti fez sua primeira exposição expressionista, chegando da Europa.

Será três décadas depois, num curso da Fundação Getúlio Vargas – onde também atuaram Tomás Santa Rosa e Hannah Levy -, que Renina Katz estará junto de Oswald e do austríaco Leskoschek. Este, mestre na madeira, como Goeldi e Lívio Abramo, bem representa o expressionismo e o realismo social da geração pós-guerra. Nessa época, foram colegas de Renina, Fayga Ostrower, Darel e Henrique Oswald, entre outros. É depoimento da própria Renina a importância desse período em sua formação artística e espiritual. Quanto à temática social, Antônio Bento dirá que Renina Katz “não se escraviza a princípios políticos e faz sua arte com ampla liberdade de criação, tanto na pintura com na gravura”.

Entre desenhos que ilustram o livro de Cecília Meireles, aqueles sobre Felipe dos Santos concentram grande dramaticidade: “Cavalos a que o prenderam,/ estremeciam de dó,/ por arrastarem seu corpo/ ensanguentado no pó” (“Romance V ou Da Destruição do Ouro Podre”) – referem-se ao levante de 1720, em Vila Rica, e ao massacre de Felipe dos Santos, que se torna o momento profético da Inconfidência, talvez o símbolo da exploração do ouro no século XVIII.

Os retratos da Rainha Louca e as cabeças da série “Do caminho da Forca” são variações psicológicas de grande força. Os retratos dos “Juízes” equiparam-se aos desenhos de Kirchner e Heckel, do grupo Der Brücke, necessariamente caricatos para expressarem o terror e o “aspecto degradante” do homem. Esses desenhos de Renina Katz, como toda uma tendência da arte brasileira moderna, receberam a influência do expressionismo dos países nórdicos da Europa e sobretudo do expressionismo alemão. Antes de qualquer movimento ou estilo, no entanto, esses desenhos nos dizem muito do desenhos e da história da arte em geral. Por vezes, têm a beleza de formas e o equilíbrio das composições de Goya, em suas estampas. É possível que hoje, passados tantos anos, Renina possa estranhá-los – como se em algum momento eles pudessem não lhe pertencer -, mas só em uma exposição retrospectiva poderia situá-los melhor, sem ufanismos e exaltações. Uma retrospectiva que incluísse as gravuras e aquarelas abstratas e chegasse às litografias sobre a cidade de São Paulo, que voltam ao figurativo com a riqueza de traço e cor de sua fase abstrata.

Eduardo Bezerra Cavalcanti
Recife, 13 de outubro de 1982


Curriculum

Exposições individuais
  • ENBA, Centro Acadêmico, Rio de Janeiro, 1959, 1956Museu de Arte de São Paulo, 1953
  • Museu de Arte Moderna, São Paulo, 1953
  • Galeria GEA, Rio de Janeiro, 1958
  • Galeria Ambiente, São Paulo, 1958, 1959, 1970
  • Galeria das Folhas, São Paulo, 1959
  • Petite Galerie, Rio de Janeiro, 1963, 1967, 1969, 1970
  • Galeria Centro Chile-Brasil, Santiago, 1964 – Valparaízo, 1964
  • Galeria Asteria, São Paulo, 1966
  • Galeria Ars Mobile, São Paulo, 1970
  • Brasilian – American Cultural Inst. Washington, 1973
  • Galeria Arvil, México, 1975
  • Galeria Grafitte, Rio de Janeiro, 1975
  • Galeria Múltipla, São Paulo, 1976
  • Casa dos Contos Ouro Preto, Minas Gerais, 1976 – Cancioneiro
  • Palácio das Artes, Belo Horizonte, Minas Gerais, 1976
  • Universidade de Brasília-Cancioneiro, 1976
  • Galeria Guinard, Porto Alegre, 1977
  • Brasilian – American Cultural Institute, Washington, 1977
  • Galeria Bonino, Rio de Janeiro, 1977
  • Galeria Múltipla, São Paulo, 1978
  • Fundação Gulbenkian, Lisboa, 1979
  • Galeria de Arte da Universidade do Espírito Santo, 1979
  • Galeria Pamphilli, Roma, 1979
  • Centro de Estudos Brasileiros, Assunção, Paraguai, 1979
  • Gravura Brasileira, Rio de Janeiro, 1980
  • Galeria Arte sobre Papel-Suzana Sassoun, São Paulo, 1980
  • Exposição-Cancioneiro da Inconfidência, MASP, São Paulo, 1981
  • Exposição-Cancioneiro da Inconfidência, Casa de Rui Barbosa, Rio de Janeiro, 1981
Edições e bibliografia
  • Álbum de xilogravura FAVELA, 50 exemplares, 1956
  • A Gravura Brasileira, José Roberto Teixeira Leite, 1965
  • Álbum de serigrafias, 50 exemplares, 1968
  • Dicionário das Artes Plásticas no Brasil, Roberto Pontual, 1969
  • Álbum de serigrafias, 50 exemplares, 1969
  • História da gravura, vol. II, Ed. Júlio Paciello, 1969
  • Álbum para o Min. dos Transportes, 1970
  • Livro com 10 serigrafias, 100 exemplares, Ed. Júlio Paciello, 1970
  • Escritura, serigrafia, Ed. Gestão de Holanda, 1973
  • História da Arte Brasileira, P.M. Bardi, 1975, Ed. Melhoramentos
  • Dicionário de Artes Plásticas, Inst. Nac. do Livro, MEC
  • Diário de Bolso, Walmyr Ayala, Ed. Ebrasa, 1977
  • Antologia gráfica, 90 exemplares, Ed. Júlio Paciello, 1977
  • Álbum “Anjos e Cidades” 6 litros, 30 exemplares, texto-Flávio Motta, 40 exemplares, 1978
  • Álbum com 10 xilogravuras, 10 exemplares, 1979
  • Arte no Brasil, Ed. Abril Cultural nº 43, 1979
  • Calendário para Metal Leve, 1979
Cursos de Formação
  • Pintura na Escola Nacional de Belas Artes da Universidade do Brasil, Rio de Janeiro
  • Gravura em madeira sob orientação de Axl Leskoscheck, Rio de Janeiro
  • Gravura em metal no Liceu de Artes e Ofícios, sob orientação de Carlos Oswald, Rio de Janeiro
  • Licenciatura em Desenho na Faculdade de Filosofia da Universidade do Brasil, Rio de Janeiro
Exposições coletivas
  • Salão Nacional de Arte Moderna no Rio de Janeiro, 1948-54, 1956-59
  • Salão paulista de Arte Moderna, 1951-52, 1955, 1957
  • Salão Baiano de Arte Moderna, 1950
  • Bienal de São Paulo III, V, VI, VII
  • IX Rencontre Internacional de Genéve, 1954
  • Mostra Brasileira no Kunstgewerbenmuseum de Zürich, 1954
  • Mostra brasileira em Nova Dehli, 1955
  • Internacional Print Show, Wisconsin, USA, 1956
  • XYLON, II Mostra Internacional de Gravura, Zürich, 1956
  • XXVIII Bienal de Veneza, 1956
  • Resumo JB no Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro, 1971
  • Exposição de Serigrafia no Museu de Belas Artes do Rio de Janeiro, 1971
  • A Moderna Gravura Brasileira na Biblioteca Nacional, 1974
  • Arte Gráfica de Hoy, Madrid, Espanha, 1974
  • Galeria Ziegler em Genéve, 1974
  • Contemporary Brazilian Prints, Loyola University, New Orleans, University of South Alabama, University of Tenesse – Brazilian American Cultural Institute, 1974
  • Art Graphique Brésilien, Musée Galiera, Paris, 1975
  • Arte Gráfica Brasileira, Museu Albertina, Viena, 1975
  • Arte Gráfica Brasileira, Fundação Gulbenkian, Lisboa, 1975
  • Bristol Community College, Massachusetts, USA, 1976
  • 20 Artistas Brasileiros, Centro de Arte Y Comunicacion, Buenos Aires, 1976
  • Artistas Brasileiros, Museu de Baía Blanca, Argentina, 1976
  • Galeria Global – Sete Artistas da Litografia, São Paulo, 1976
  • Artistas Brasileiros em Israel, Telavive, 1979
  • Aquarela no Brasil, Belo Horizonte, 1979
  • Matrizes & Filiais, Quatro Artistas SESC, São Paulo, 1979
  • Centro de Criatividade de Curitiba, Paraná, 1980
  • Galeria Lacio – Álbum com 5 artistas, São Paulo, 1980
  • Artistas Brasileiros em Belgrado, Iugoslávia, 1980
  • Panorama das Artes Gráficas, MAM, São Paulo, 1980
  • Coletiva para constituição do acervo da Pinacoteca de São Bernardo do Campo, São Paulo, 1980
  • A gravura da Mulher Brasileira, New York, 1981
  • Desenhos do Acervo da BiBlioteca, São Paulo, 1981
Atividades didáticas
  • Professora de Desenho no Museu de Arte de São Paulo, de 1952 a 1955
  • Professora de gravura no Museu de Arte de São Paulo, de 1952 a 1955
  • Professora de Composição do Curso de Formação de Professores de Desenho da Fundação Armando Álvares Penteado, de 1952 a 1962
  • Professora de Meios e Métodos de Representação na Escola Superior de Desenho Industrial, Rio de Janeiro, de 1968 a 1972
  • Professora  de Exercícios em duas dimensões do Curso de Cultura Visual, no Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro, de 1970 a 1972
  •  Professora de Programação Visual da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo, desde 1956
Trabalhos e colaboração
  • Painel para o Grupo Escolar de Campinas, Arqui. Joaquim Guedes
  • Painel para o Club da Cidade de São Paulo, Arqui. Abelardo de Souza
  • Projeto de módulo-azulejo para painel no Grupo Escolar de São José do Rio Preto, Arqui. Ícaro de Castro Mello
  • Painel para residência no Morumbi. Arqui. Abelardo de Souza
  • Colaboração no detalhamento do projeto do Centro de Cultura da Cidade
  • Universitária de São Paulo, Arqui. Jorge Wilheim
  • Emurb/Prefeitura de São Paulo/IDARTE, painel para a Estação de Metrô da Nova Praça da Sé
  • Vitral para residência, São Paulo, Arqui. Rodrigo Lefévre

Catálogo da Exposição Renina Katz 1983

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