Heloísa Juaçaba: entrevista perenizou olhar sensível e atuação marcante de uma das pioneiras da arte cearense
Data da publicação: 1 de abril de 2020 Categoria: Sem categoriaNatyelle Martins da Silva
Estudante de Letras Libras/UFC – Bolsista PIBI do Núcleo Educativo do MAUC
Saulo Moreno Rocha
Coordenador do Núcleo Educativo do MAUC – Orientador
“Heloísa diz com quantas cores se faz arte erudita e popular” é o título da entrevista realizada em 23 de junho de 1994 pela Revista Entrevista, do curso de Jornalismo da UFC, com a artista cearense Heloísa Juaçaba. Nascida na Serra de Guaramiranga em 1926, apaixonada pela arte popular, protagonista de destaque nas artes cearenses, foi aluna e integrante da Sociedade Cearense de Artes Plásticas, a SCAP, fundadora do Centro de Artes Visuais depois nomeado Casa de Cultura Raimundo Cela, onde foi diretora por 8 anos, participou da fundação do Museu de Arte da UFC (de quem recebeu, em 2008, a Medalha do Mérito Cultural) e também da organização do Museu de Arte e Cultura Populares do Ceará.
Em uma conversa calorosa com estudantes de Comunicação Social da Universidade Federal do Ceará (UFC), Dona Heloísa, como era conhecida, fala sobre seu envolvimento com a arte, os caminhos de sua formação e como uniu o erudito ao popular, bem como de seu trabalho filantrópico voltado a pessoas com câncer e de sua contribuição no desenvolvimento das Artes no Ceará. Na ocasião, afirmava que haveria muita coisa boa para recordar. A entrevista ocorreu em seu apartamento, cercada pelo som das ondas da Praia de Iracema e ambientada por muita arte, de sua autoria e de muitos outros(as) artistas.
Inicialmente, questionada sobre o que seria arte, apresenta o seu olhar e pontua a diversidade sobre o tema, falando sobre a tendência de cada pessoa e, ao citar as Artes Plásticas, considera que a ou o artista necessita da espontaneidade e que a Arte é algo que não pode ser ensinado. Afirma que algumas técnicas podem ser repassadas, mas a criação está dentro de cada um e é um processo íntimo, do coração, isto é, o que lhe faz o ser verdadeiramente artista.
Afirma que aos 14 anos já percebia sua afinidade com o desenho e, quando questionada se nessa idade já sabia que trabalharia com isso, explica que não, que era apenas uma menina que possuía afinidade com mapas (incentivada por sua professora de Geografia da Escola Normal) e conta que foi o seu marido, o médico Haroldo Juaçaba, o responsável por incentivá-la a entrar nesse universo e na SCAP (Sociedade Cearense de Artes Plásticas), onde inicia sua trajetória, sendo premiada no Salão dos Novos e no São de Abril, sendo assim, uma pioneira, não só expondo, como também promovendo a cultura no estado e na capital.
Sobre o assunto cultura e arte popular, Heloísa expõe sua admiração pelas criações do povo, “Porque a Arte Popular, eu acho que é uma das manifestações mais puras, mais verdadeiras de uma raça, de uma nação que guarda todas as suas características.” Recorda de Mestre Noza, sua grandeza e habilidade de esculpir Padre Cícero em madeira, destacando que a ele bastava um canivete em mãos para produzir belas obras, pontuando ainda a forma como o mestre envolvia jovens artistas, capazes de criar e formar, a partir daí, uma Escola em Juazeiro do Norte. Aponta também que são inúmeras as formas que se expressam a arte popular, no trançado, no barro, capazes de romper fronteiras, apresentando ao mundo características de uma região.
Nesta entrevista, Heloísa Juaçaba apresenta importantes elementos relativos sobre a forma como via e interpretava a arte popular e o artesanato popular, diferentes em sua concepção. Segundo defende, o artesanato seria do âmbito da informação adquirida, aprendida, enquanto a arte popular não poderia ser ensinada, pois ela nascia do âmago do artista, sem influências, “pura”, revelando o universo próprio e característico em que estava inserido o artista. Esta percepção do popular pode ser sintonizada à arte erudita, especialmente nas críticas que tece à formação acadêmica (em seus aspectos repetitivos e pouco afeitos à criatividade) e ao equívoco das Escolas de Belas Artes em olhar muito para o que é produzido fora e pouco para o que se produz no Brasil.
Ainda em sua fala, percebe-se o seu envolvimento e atuação na consolidação do campo das Artes Plásticas no Ceará, especialmente na criação de instituições e projetos, como a Casa de Cultura Raimundo Cela, a participação nos Salões de Abril e no desenvolvimento de ações em escolas, caso da experiência que empreendeu de montar exposições de artistas locais para o público escolar. Aborda ainda sua participação no Conselho Estadual de Cultura e faz uma avaliação da situação das Artes e da política cultural cearense naquele momento, início dos anos 1990, criticando a descontinuidade de projetos e instituições.
Um dos últimos tópicos abordados na entrevista é a sua atuação filantrópica, momento em que destaca o trabalho iniciado por Maria José Weyne no apoio e acolhimento de pessoas com câncer e do seu envolvimento com a causa a partir do incentivo de seu marido. Conta em detalhes sobre a criação de uma rede de apoio às pessoas com câncer e como foi superando desafios para proporcionar e consolidar, com outras mulheres, um tratamento digno para aqueles e aquelas que eram atendidos na capital. Fecha a conversa contando da relação amorosa e duradoura com o marido e do mútuo incentivo que havia nas ações e trabalhos que cada um realizava.
Na entrevista é possível acompanhar, passo a passo, a trajetória de Heloísa e suas inúmeras contribuições à sociedade cearense, das Artes à Filantropia. Naquela ocasião dizia, emocionada: “as pessoas morrem, mas a arte fica”, pondo em destaque o caráter eterno da arte. Heloisa, falecida em 2013, segue sendo fonte de inspiração e ensinamentos para as diversas pessoas que cruzam a sua história, ultrapassando gerações, como uma das grandes responsável pelo fortalecimento do movimento de arte e cultura no Ceará. Para os amantes de seu trabalho, a entrevista “Heloísa diz com quantas cores se faz arte erudita e popular” aquecerá os corações e trará belas inspirações.
Fortaleza, 1 de abril de 2020
Observação: o texto da entrevista, ora resenhado, foi retirado do Repositório Institucional da UFC e pode ser acessado aqui.
A entrevista foi conduzida por Cláudia Monteiro, Ethel de Paula, Francineide Martins, Liana Farias e Marília Aguiar.