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Universidade Federal do Ceará
Museu de Arte da UFC – Mauc

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Antônio Bandeira e a poética das cores

Andressa Chaves de Oliveira

Estudante de Design/UFC – Bolsista Arte (PPCA/Secult-Arte) do Núcleo Educativo do Mauc

Saulo Moreno Rocha

Museólogo – Coordenador do Núcleo Educativo do MAUC – Orientador

 

Antônio Bandeira- retrato

Antônio Bandeira e a poética das cores intitula obra comemorativa aos 90 anos de nascimento do pintor cearense, organizada pelo Prof. Dr. Gilmar de Carvalho e lançada em 2012. Composto por 8 partes, o livro reúne importantes especialistas em arte, de variadas formações, que abordam diferentes facetas da vida e obra do grande mestre do abstracionismo. Pioneiro e integrado às dinâmicas locais e internacionais de produção artística, Bandeira foi um dos grandes pilares na consolidação da abstração no pós-guerra, não só no Brasil, além de ter sido figura emblemática no movimento renovador das artes cearenses, na década de 1940, conforme análise de Estrigas. Apaixonado por Fortaleza, nela atuou em momentos marcantes da instauração do modernismo em cores locais, principalmente por sua decisiva participação na Sociedade Cearense de Artes Plásticas (SCAP) e também na criação da primeira instituição museal dedicada à arte no Ceará, o Museu de Arte da UFC (Mauc).

Abre a coletânea o ensaio escrito por Pedro Eymar Barbosa Costa, que introduz os leitores na relação de Bandeira com Fortaleza, marcada por gestos de afeto, em suas idas e vindas do exterior e de outras cidades brasileiras. A cidade que se metamorfoseia em múltiplas transfigurações, conduzem o autor a revisitar o contexto família, a fundição do pai do artista, esmiuçando as imagens que Bandeira reinventou em sua pintura. As relações afetivas e poéticas são descortinadas a partir do acervo de fotos e cartas guardadas pela família, que documentam a troca de mensagens e a dinâmica dos laços. Por outro lado, Costa também recorre a outras fontes para analisar as relações entre a SCAP e o Grupo Clã – Clube de Literatura e Arte, as duas principais instâncias de produção artística na Fortaleza dos anos 40, e a participação de Bandeira, posteriormente, na criação do Museu de Arte da UFC, por intermédio de sua relação com o Reitor Antônio Martins Filho.

A segunda autora, Almerinda Lopes, analisa a obra de Bandeira e sua importante contribuição na abstração lírica, tanto no Brasil quanto na França e narra sua trajetória ao chegar na “Cidade Luz”. Foi na circunstância do pós-guerra, em meio à destruição e crise, que o artista chegou à Paris. A situação caótica, no entanto, acabou sendo um ambiente propício para a solidificação do abstracionismo lírico, informal ou tachismo, que fugia da geometria e aproximava-se da liberdade expressiva e da autonomia. Os artistas tachistas pintavam em dualidade: não havia um total rompimento com o figurativo e com o real, ao passo em que ocorria uma reelaboração do mundo a partir de signos abstratos, refletidos em pinceladas, espirros de tinta e cores puras e vibrantes. A autora aponta ainda para o conflito de vertentes com ideias semelhantes: o expressionismo abstrato, estilo proveniente da América do Norte devido à imigração de artistas na segunda guerra, e a abstração lírica, que estava em ascensão na França e aborda como foi a aceitação destes movimentos pela crítica.

A terceira parte, escrita por Kadma Marques, tem como título “Bandeira e o silencioso movimento das cores” e começa tecendo relações entre a expressão singular e individual de um artista e a sua matriz cultural e coletiva. A autora explica que a autonomia no campo da arte é relativa, já que todos os campos sofrem constante influências de várias áreas. Em sua análise, ela aponta para a atuação de Antônio Bandeira como um importante pilar para a autonomização da arte em Fortaleza, na estruturação do domínio da arte e na “invenção de valores”, a criação de uma arte de viver (Bourdieu, 1966). Dentre as contribuições de Bandeira nessa estruturação do campo artístico local, ela cita a criação do CCBA (Centro Cultural de Belas Artes) juntamente com outros artistas em 1941, que garantia o espaço daqueles artistas na sociedade ao passo que promovia exposições e premiações aos melhores e os dava oportunidades fora de Fortaleza e do Brasil. Ademais, ao longo do texto a autora descreve Bandeira como agente na singularização do artista/obra e narra sua passagem do figurativo (década de 40) até o abstrato (década de 50) na representação, principalmente do cenário urbano.

Por sua vez, Maria de Fátima Morethy Couto apresenta como o artista cearense foi recebido no exterior, traçando uma linha cronológica. Bandeira tinha 23 anos quando se mudou de Fortaleza, passando um breve tempo no Rio de Janeiro e finalmente, Paris, em abril de 1946, onde ficou até 1950, viagem proporcionada por uma bolsa de estudo, que o possibilitou frequentar a École Superieure des Beaux Arts e a Académie de la Grande Chaumière. Além disso, a temporada parisiense proporcionou ao artista o contato com diversos artistas, a convivência em ateliês e a visita a exposições, formando, assim, um amplo repertório e diálogos, bem como o contato com obras emblemáticas da história da arte mundial. O contato com Wols e Bryen proporcionou o surgimento do grupo Banbryols, formado pelos três artistas e o encontro com a obra de Paul Klee abriu novas possibilidades poéticas. A partir desse contexto a autora expõe o processo de desvencilhamento da obra de Bandeira com a realidade e o início da desconstrução de formas, emoções e memórias em respingos de cor e pinceladas, portanto, os movimentos que o levaram à abstração.

O próximo texto, escrito por Meize Regina de Lucena Lucas, analisa a imagem de Antônio Bandeira como fonte de aproximação do público com a obra, alinhando o cotidiano do artista com a sua arte, seja por trejeitos, característica física, local onde nasceu, contexto de vida, etc. O material analisado é um compilado de filmagens de Bandeira em Fortaleza por volta de 1961-62, com cenas relacionadas à vida do artista: como a casa de fundição de sua infância, jangadeiros na praia, crianças brincando na rua, etc. Todo esse material serve para afirmar a conexão do Antônio Bandeira pessoa com o Antônio Bandeira artista.

Ainda seguindo uma linha mais pessoal de análise do artista, com foco em suas memórias e experiências formativas, Fernanda Coutinho escreve sobre um flamboyant vermelho que existia perto da casa de Bandeira e que fez parte da sua infância. A autora comenta isso a partir de trechos do livro escrito pelo próprio pintor, já adulto, em que ele narra a tamanha importância da árvore na sua vida e como a perspectiva cromática influenciou sua trajetória artística.

Cidade em Festa -detalhe

Detalhe da obra Cidade em Festa (Antônio Bandeira, 1961. Acervo Mauc)

Em mais um ensaio sobre a imagem de Antônio Bandeira, Silas de Paula discorre sobre a performance do artista na fotografia, focado em registros de cunho pessoal em que Bandeira é o protagonista. O autor contextualiza, com referências de Baudelaire, a teatralidade da fotografia e questiona até que ponto o Bandeira artista influenciou na construção de seus “personagens”. Em suas análises, Silas encontra pontos em comum nas fotografias que afirmam o objetivo de Bandeira de ser conhecido não somente como um artista, mas como um artista do Ceará, pela presença de elementos próprios do clima, vegetação e cotidiano: o sol forte que produz sombras contrastantes, os cactos e vegetação do cerrado, o litoral e a presença de jangadeiros, o dormir na rede. Portanto, explora como o artista constrói, por meio de uma visualidade própria, a sua identidade como um artista cearense, recorrendo a signos há muito decantados no imaginário acerca da paisagem social, ecológica e humana do estado.

O último capítulo é um rico depoimento, íntimo e descontraído, de Sérvulo Esmeraldo. Artista de enorme influência e também cearense, Esmeraldo inicia por revelar as circunstâncias em que conheceu Antônio Bandeira e a construção da amizade que os uniu. Afirma que, além de bom pintor, Bandeira também era uma boa pessoa, pondo em evidência a atenção e cordialidade do seu contemporâneo. Sérvulo comenta também que a notoriedade do artista na França não era tão grande como pintavam aqui no Brasil, parte disso pela visível influência das obras de Wols em seu trabalho, que o fariam um discípulo deste. Certamente, o depoimento apresenta um contraponto à imagem construída por Bandeira nas suas relações com críticos, literatos e a imprensa, que o divulgavam como uma grande personalidade nos meios culturais parisienses. No entanto, Esmeraldo cita uma “terceira etapa” da pintura de Antônio Bandeira, em sua última volta para a França, em 1961, onde havia um rompimento com a obra de Wols e uma fase de estilo mais autêntico que, infelizmente, foi interrompida por sua morte prematura, em 1967.

Assim, o livro descortina ricamente a poética de uma vida intensa e marcada por idas e vindas, por entre Fortaleza e outros mundos, daquele que até hoje é identificado como um dos maiores artistas cearenses. Da infância fortalezense à Paris da boemia, nas suas transfigurações intensas, Bandeira é revisitado nesta coletânea a partir de diferentes prismas, com olhares que focalizam sua trajetória, sua obra, a sua atuação para a constituição e consolidação do campo da arte no Ceará, o seu papel significativo no CCBA, SCAP, Mauc. O movimento de cores e formas, eternizado em suas obras, é apresentado por meio de textos, mas também por meio das imagens de suas produções que compõem o acervo do Museu de Arte da UFC, reproduzidas em alta qualidade na publicação.

Solenidade de Abertura.

Em tempos pandêmicos, como os que vivemos agora, a obra de Bandeira continua a nos afetar e a nos provocar a pensar o mundo e o universo em outras chaves, por meio de outras visualidades e práticas. Convida-nos a um olhar mais atento para poéticas rebeldes, insubmissas, renovadoras, que constroem e reconstroem um mundo que, assim como na época do artista, sob os efeitos do fim da guerra, se mostra mais do que nunca instável, permeado de dúvidas, dor, ansiedades e incertezas. A arte, mais do que nunca, se mostra um potente caminho regenerador, conector de experiências, possibilidade para um novo mundo, imaginativa e transformadora. Em seus 98 anos, Antônio Bandeira segue a nos suscitar sonhos e a mover-nos da nossa estabilidade suposta. Quando possível, não deixe de ir conhecê-lo ou reencontrá-lo, de perto, no Museu de Arte da UFC, que mantém um sala em sua homenagem. As pessoas vão, elas partem, somos finitos, contudo, permanecemos vivos na memória daqueles que nos amam e, no caso dos artistas, eternizados nas suas obras. Que sorte a nossa que tantos Bandeiras estejam pertinhos de nós, no Benfica. Visitemo-lo, em breve!

Até lá, não deixe de se deleitar na leitura da obra fundamental organizada pelo competente professor Gilmar de Carvalho, parceiro de longa data do Mauc e um dos nossos maiores intelectuais e pesquisadores. Acesse aqui a obra completa, em pdf, disponível no Repositório Institucional UFC.

Fortaleza, 31 de maio de 2020.

Referência: CARVALHO, Gilmar de. (Org.). Antônio Bandeira: e a poética das cores. Fortaleza: Edições UFC, 2012.

Observações:

  1. As obras apresentadas neste livro compõem o acervo do Museu de Arte da UFC e foram fotografadas por Júnior Panela.
  2. A organização deste livro contou com a efetiva colaboração da jornalista, historiadora e professora da UFC Ana Rita Fonteles Duarte.
  3. Foi publicado através de projeto da Coordenadoria de Comunicação Social e Marketing Institucional da UFC, sob a coordenação de Paulo Mamede.
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